A seleção natural desenhou o corpo humano para o movimento. Desde que nossos ancestrais desceram das árvores, há 6 milhões de anos, a competição conferiu vantagem de sobrevivência às mulheres e homens que se movimentavam com mais desenvoltura. Como resultado, o corpo que chegou até nós tem pernas e braços longos, fortes e articulados para andar, correr, trepar em árvores, abaixar e levantar com eficiência e facilidade.
A partir da segunda metade do século 20, no entanto, sucessivos avanços tecnológicos tornaram possível ganharmos o pão nosso de cada dia sem sair da cadeira. Graças ao conforto moderno, passamos a usar o corpo de uma maneira para a qual ele não foi engendrado.
Ao mesmo tempo, novas técnicas de cultivo agrícola e armazenagem possibilitaram o acesso de grandes massas populacionais a alimentos de alta qualidade. As refeições da classe média de hoje são mais nutritivas do que as dos nobres nos castelos medievais.
No Brasil, a faixa etária da população que mais cresce é a que está acima dos 60 anos, justamente a mais sedentária.
A ingestão diária de um número maior de calorias do que as exigidas para a manutenção do peso saudável de um corpo sedentário criou as condições para a explosão da epidemia de obesidade que assola o mundo. No Brasil, 52% da população adulta está acima do peso.
Um estudo internacional publicado numa das revistas médicas de maior prestígio (The Lancet) procurou quantificar os prejuízos causados pela pandemia de inatividade física. Os autores fizeram uma revisão sistemática da literatura para estimar os custos diretos (para os sistemas de saúde) e os indiretos (produtividade perdida) do sedentarismo em 142 países, que representam 93% da população mundial.
Consideraram o impacto direto no sistema de saúde causado por cinco enfermidades, nas quais a influência da vida sedentária é conhecida com mais detalhes: doença coronariana, derrame cerebral, diabetes tipo 2, câncer de mama, câncer de cólon e reto.
Os custos indiretos foram calculados a partir da produtividade perdida com as mortes prematuras por essas doenças. A falta de dados para a maioria dos países não permitiu estimar as perdas com o absenteísmo provocado por elas.
Foram classificadas como inativas as pessoas que não seguem a recomendação da Organização Mundial da Saúde de praticar atividade física de intensidade moderada ou vigorosa, durante pelo menos 150 minutos por semana.
A aplicação de métodos estatísticos complexos permitiu chegar às seguintes conclusões:
1) Contados os gastos dos sistemas de saúde e os anos perdidos de trabalho por morte precoce, a inatividade física custou para o mundo U$ 67,5 bilhões. Esse número é igual ao PIB da Costa Rica e maior do que o PIB de 80 dos 142 países estudados;
2) O mundo perdeu 13,4 milhões de anos de trabalho, com as mortes prematuras;
3) Quanto mais pobre o país, menor o suporte financeiro governamental e maior a despesa das famílias com o tratamento das doenças estudadas;
4) A inatividade física é uma pandemia que provoca não apenas morbidade e mortalidade, mas grandes perdas econômicas. Os problemas gerados por ela são mais graves nos países em desenvolvimento.
Essas estimativas são extremamente conservadoras; consideraram apenas cinco de pelo menos 22 enfermidades em que a inatividade tem importância causal. Ficaram de fora outras que são de alta prevalência, como as reumatológicas e as ortopédicas, a hipertensão arterial, a síndrome metabólica e alguns transtornos psiquiátricos, por exemplo.
No Brasil, a faixa etária da população que mais cresce é a que está acima dos 60 anos, justamente a mais sedentária. É nessa fase da vida que incidem as doenças crônico-degenerativas mais comuns: hipertensão arterial, obesidade, câncer, diabetes, problemas ortopédicos e o cortejo de complicações associado a elas.
Cruzar os braços diante de mulheres e homens sedentários, que engordam e envelhecem com um ou mais desses males, é caminhar para aceitação de uma eutanásia passiva para os mais velhos, uma vez que nem o SUS nem a Saúde Suplementar terão condições de arcar com os custos.
Qual de nossos antepassados poderia imaginar que o maior desafio da saúde pública do século 21 seria convencer a população a andar?