Somos animais que hibernam. Ao contrário dos ursos, que passam meses adormecidos, nós o fazemos todos os dias. Como um fenômeno de tanta importância na fisiologia humana foi ignorado durante tantos anos?
Numa entrevista à Nature, o neurologista Mark Wu, da Universidade Johns Hopkins, estudioso dos transtornos do sono e dos mecanismos genéticos que o regulam, considera que o mundo científico passou tanto tempo sem se preocupar com o sono por considerá-lo um fenômeno semelhante à morte.
O interesse só foi despertado depois do aparecimento do eletroencefalograma (EEG). Em 1929, o psiquiatra alemão Hans Berger mostrou a existência de ondas elétricas que transitavam pelo cérebro durante o sono.
Enquanto alguns se consideram descansados depois de quatro a cinco horas, outros necessitam de 10 horas.
Hoje, sabemos que o sono ocorre em duas fases principais: REM (Rapid Eyes Movement) e não-REM. E que a não-REM compreende três estágios N1, N2 e N3, caracterizados por ondas elétricas de padrão específico. Ao conjunto formado por essas três fases somadas à fase REM damos o nome de ciclo do sono. Numa noite bem dormida, ocorrem quatro a seis ciclos completos.
Na vigília, o EEG mostra uma mistura de ondas cerebrais de alta frequência que não seguem um padrão coordenado. Quando o sono entra na fase N1, as frequências caem para adquirir as características do sono leve: são as ondas teta. O estágio N1 é curto, dura de um a 10 minutos.
Na segunda fase, N2, a frequência cardíaca e a respiratória diminuem, a temperatura corpórea cai e a musculatura relaxa. As ondas cerebrais oscilam entre as de baixa frequência e episódios curtos de atividade neural mais intensa. No primeiro ciclo completo do sono, a fase N2 típica dura 10 a 25 minutos. Nos ciclos seguintes, ela se torna progressivamente mais longa. No total, as fases N2 ocupam 50% da duração do sono noturno.
O estágio N3 é caracterizado por ondas lentas de amplitude alta, denominadas ondas delta. Sua duração é de 20 a 40 minutos por ciclo. No total, os ciclos de N3 ocupam cerca de 25% do sono noturno.
As ondas lentas exercem papel importante na restauração dos níveis de energia, no reparo e crescimento dos tecidos, na eliminação de metabólitos indesejáveis, na estimulação do sistema imunológico, no aprendizado e na consolidação de memórias.
A atividade dos neurônios atinge o pico quando o sono entra na fase REM, caracterizada por ondas de frequências mistas (como na vigília): são as ondas beta. A semelhança com a vigília é a razão pela qual o cérebro vive o sonho como se fosse realidade. Esse estágio ocupa os demais 25% do total do ciclo.
À medida que as horas passam, os períodos de ondas de baixa frequência encurtam e os de sono REM se alongam. A fase REM é fundamental para a preservação de funções cognitivas, como o controle das emoções, a memória e a criatividade na resolução de problemas.
A qualidade do sono pode ser quantificada pelo número, duração e alternância de cada fase, pelo tempo necessário para a instalação do sono e o pelo número de despertares noturnos. Estimulantes como cigarro, cafeína e álcool alteram a arquitetura descrita. O álcool, por exemplo, facilita o início, mas modifica a duração das fases do sono.
Um adulto precisa dormir em média sete a oito horas. Enquanto alguns se consideram descansados depois de quatro a cinco horas, outros necessitam de 10 horas. Aqueles que trabalham à noite, os que deitam para dormir durante o dia, os que enfrentam "jet lags", os que consomem estimulantes, os estressados e, especialmente, os que ficam até tarde na frente das telas azuladas de computadores e celulares rompem a arquitetura dos ciclos do sono. E, também, do que chamamos de ciclo circadiano, responsável pelo controle da sucessão de reações metabólicas que se repetem a cada 24 horas.
Noites bem dormidas são essenciais para a qualidade da saúde. Infelizmente, nas últimas décadas o número de horas de sono tem diminuído na maioria dos países. Um estudo publicado em 2017, que envolveu cerca de 690 mil crianças, em 20 países, mostrou que a duração média do sono diminuiu mais de uma hora, no período de 1905 a 2008.
Hoje, um em cada três norte-americanos dorme menos de seis horas por noite. Desde 1960, a duração do sono dos adultos tem caído na Alemanha, Rússia, Finlândia, Japão, Bélgica e Áustria.
Com a globalização e a informática à nossa disposição ficará cada vez mais difícil inverter essa tendência.