O cérebro humano é uma máquina que a seleção natural moldou para o aprendizado. Acontecimentos rotineiros não nos emocionam, somos ávidos por experiências novas que nos surpreendam de forma agradável.
Na evolução, foi desenvolvida uma rede complexa de mediadores químicos para reconhecer os estímulos ligados às sensações de prazer, com a finalidade de distingui-los daqueles inócuos e dos que nos causam mal estar. Para o cérebro, o que dá prazer deve fazer bem para o funcionamento do organismo.
Esse mecanismo foi tão importante para a sobrevivência da nossa espécie, que arquitetamos uma rede extensa de circuitos de neurônios e de mediadores químicos encarregados de reconhecer e transmitir as sensações de bem estar e de prazer. Eles explicam porque gostamos tanto de alimentos saborosos, de temperaturas amenas e de relações sexuais.
O impacto deletério a curto prazo da tecnologia digital nas vidas de crianças e adolescentes não é pequeno: isolamento social, vida sedentária, obesidade, desinteresse pelos livros.
Conectada aos circuitos envolvidos no reconhecimento dessas sensações, há outra rede de neurônios, incumbida de disparar os estímulos comportamentais necessários para irmos à busca da repetição daquilo que nos trouxe prazer.
Nossas ações são reguladas pelo equilíbrio (ou pela falta dele) entre essas duas circuitarias. Na depressão, por exemplo, a dificuldade em reconhecer os estímulos associados à alegria e à felicidade conduz à falta de motivação para ir em busca deles. Em sentido contrário, estão as motivações que nos levam a tomar banho, bem como as que explicam o retorno do desejo sexual depois da abstinência.
A seleção natural, entretanto, não contava com a capacidade humana de subverter esse mecanismo natural por meio da administração de drogas psicoativas ou de comportamentos repetitivos que provocam prazer intenso, inatingível no cotidiano.
Ao cheirar cocaína, fumar maconha, cigarro ou tomar café, ocorre liberação de diversos mediadores químicos que atuam nas sinapses, entre os quais a dopamina, a "molécula motivacional" por excelência. A explosão de prazer causada por eles ativa a circuitaria encarregada da busca para repeti-los. Esse mecanismo explica porque o usuário de cocaína continua repetindo a dose mesmo quando entra em "paranoia". Uma vez ativada a circuitaria da busca, o comportamento se repete ainda que o prazer tenha desaparecido.
O que as mídias sociais têm a ver com as drogas psicoativas?
Diversos estudos demonstraram que a dopamina é um neurotransmissor sensível aos estímulos das mídias digitais. Quando consumimos em série vídeos no YouTube, TikTok, Instagram, podcasts, ocorre liberação de dopamina nos centros de recompensa, os mesmos ativados pela cocaína, maconha e o cafezinho. Um "like", um post, uma imagem no Instagram ou uma dancinha no TikTok provocam pequenos picos de dopamina nas sinapses.
É claro que esses picos são muito mais baixos do que aqueles provocados pelas drogas psicoativas, porém são projetados pelos técnicos das plataformas para ativar os circuitos de recompensa de forma continuada e persistente.
Num mecanismo semelhante ao da abstinência de cocaína, a liberação exagerada de dopamina é seguida por um período em que sua produção fica tão baixa que surge ansiedade e depressão. O usuário, então, corre atrás do celular, não para ficar feliz, mas para se livrar dos sintomas da abstinência. Por isso, caro leitor, você fica com aquela sensação de "vazio" depois de passar horas vendo imagens e mensagens postadas na tela.
As mídias sociais quebram o equilíbrio que existe entre prazer e recompensa, quando os picos de dopamina são obtidos por meios naturais, no decorrer do dia: as refeições, o encontro com amigos, o sorriso da criança, o livro.
As crianças e os adolescentes são as maiores vítimas desse comportamento problemático. Ficam de tal modo dependentes das redes sociais, que são capazes de passar o dia inteiro diante da tela, em busca do prazer que já nem sentem na intensidade de antes. Seus circuitos de recompensa foram sequestrados por um hábito de aparência inocente
Do ponto de vista molecular, não é parecido com o que acontece na dependência de drogas ou no jogo?
O impacto deletério a curto prazo da tecnologia digital nas vidas de crianças e adolescentes não é pequeno: isolamento social, vida sedentária, obesidade, desinteresse pelos livros. E, no futuro? Não temos a menor ideia.