Parece incrível que a duração do período de transmissão da covid-19 ainda esteja cercada de incertezas.
No início da pandemia, a recomendação era a de que o isolamento dos doentes durasse duas semanas, contadas a partir dos primeiros sintomas.
Em dezembro de 2021, no entanto, os Centers for Disease Control (CDC) dos Estados Unidos reduziram esse período para cinco dias. A agência se baseava em observações de que a transmissão ocorria principalmente nos dois dias que antecediam os sintomas, até dois ou três dias depois da instalação deles.
De acordo com os CDC, o dia da instalação da sintomatologia deveria ser considerado o dia zero (o dia seguinte seria o dia um). Assim, se a doença começasse numa segunda-feira, o paciente já poderia retornar à vida normal no domingo, com uma ressalva: desde que estivesse 24 horas afebril e com os demais sintomas regredindo. A partir desse dia, deveria manter o uso de máscara por mais cinco dias. Um pouco complicado, não?
Desde então, essa orientação vem sendo questionada pelos especialistas, muitos dos quais a consideram influenciada por pressões políticas.
As críticas tomam como base estudos que detectaram o vírus nas secreções nasais, no decorrer da segunda semana de doença.
Entrevistado pela revista Nature, Amy Barczak, infectologista do Massachusetts General Hospital, ligado à Universidade Harvard, foi enfático:
– Não há dados suficientes para garantir que ele seja menor do que 10 dias.
Seu trabalho, publicado online no site Medrxiv, sugere que cerca de 25% das pessoas infectadas pela variante Ômicron chegam ao oitavo dia ainda em condições de transmiti-la.
Na verdade, não é razoável escolher um dia determinado para a pessoa deixar de ser contagiosa: a questão é estatística, prezada leitora.
A pergunta certa é: quando a maioria deixa de transmitir o vírus? O número dos que continuam transmitindo no decorrer da segunda semana é relevante para a saúde pública?
O problema é bem mais complexo do que sugere a pressa dos CDC em assegurar a volta ao trabalho.
Hoje lidamos com novas variantes do coronavírus, com o estímulo imunológico provocado pela vacinação e com a imunidade natural induzida por covid prévia. Qual o impacto desses fatores no controle da infecção e na velocidade de eliminação do vírus?
Para complicar, na avaliação dos estudos entram em cena fatores comportamentais: quanto mais debilitante a sintomatologia, maior será o período em que o doente ficará em casa, enquanto os assintomáticos ou com sintomatologia leve tenderão a se movimentar mais precocemente, aumentando o risco de transmissão.
Outro complicador é o fato de que o teste de PCR pode persistir positivo mesmo depois que a pessoa deixou de transmitir há vários dias.
Se depois de uma semana ou mais o teste rápido for positivo, o isolamento deve ser mantido até ocorrer negativação.
Essa positividade é explicada pela presença de fragmentos de RNA inviável que persistem mesmo depois da eliminação completa do vírus.
Na avaliação desses casos, o ideal é realizar o teste rápido do antígeno, uma vez que ele detecta proteínas produzidas apenas enquanto o vírus ainda mantém a replicação. Se depois de uma semana ou mais o teste rápido for positivo, o isolamento deve ser mantido até ocorrer negativação.
E, quando o teste rápido já deu negativo, mas a tosse, o cansaço e a dor de garganta ainda não foram embora? A persistência dessas queixas não significa que a pessoa ainda transmita o vírus. Essa sintomatologia pode ser causada pela própria resposta imunológica, fenômeno que eventualmente persiste mesmo depois da eliminação do vírus.
Para ter certeza se o doente ainda transmite, o ideal seria colher o vírus diretamente das secreções nasais, para semeá-lo em meios de cultura, técnica acessível apenas em laboratórios especializados, não disponíveis na rotina.
Os dados que emergiram de pesquisas com essa tecnologia mostraram que é muito raro encontrar SARS-CoV-2 viáveis depois do décimo dia, contados depois do surgimento dos primeiros sintomas.
Talvez possamos resumir da seguinte maneira: ao décimo dia o isolamento pode ser suspenso sem haver necessidade de repetir qualquer teste. Antes, apenas depois do quinto dia, nos casos em que o teste rápido estiver negativo. Pacientes com imunodepressão podem transmitir por períodos mais prolongados.