É incrível que tenha se passado tanto tempo da morte de Fernandão. Já contei essa história, mas vale reproduzi-la agora, nos 10 anos de sua morte. Fui muito impactado por ela. É daqueles episódios meio sem explicação, que nos confrontam com a fragilidade da vida e o tênue limite com o nosso próprio fim.
O destino quis que eu conversasse com Fernandão pouco mais de 48 horas antes da queda do helicóptero. Já tínhamos nos despedido após um bom papo quando resolvi, sei lá por qual motivo, voltar e fazer uma última foto: ele sentado com os gêmeos Enzo e Eloá, então com 11 anos, comendo pipoca e curtindo o convívio com os filhos, cena quase impossível durante a carreira de jogador, pelas viagens. Foi o seu último registro público em imagem, possivelmente.
O Brasil se preparava para a Copa de 2014. Fase dos amistosos, antes do Mundial. Fiz a cobertura não só da Copa em si, mas do dia a dia do time de Felipão desde a apresentação na Granja Comary até o 7 a 1 para a Alemanha. Minha tarefa era estar sempre colado em Neymar e companhia. O Brasil fez dois amistosos, contra Panamá e Sérvia, antes da estreia diante da Croácia. O Panamá era o primeiro, no primeiro palco de Fernandão, o Serra Dourada.
Das cadeiras, onde estava, Fernandão me avistou na área dos jornalistas. Gritou pelo nome, sem parcimônias. Gesticulou. Desci até onde ele estava. Os torcedores recém começavam a entrar, então o estádio estava vazio. Conversamos longamente na grade divisória, entre os dois setores. Ele queria saber, avidamente, como estavam todos em Porto Alegre. Era um homem sorridente, feliz e cheio de planos.
Falamos sobre o projeto dele à época, de ser comentarista de TV. Estava animado com o projeto. Tenho certeza que hoje ele seria um dos grandes comentaristas da TV brasileira, pelo conteúdo e facilidade de se expressar. Fernandão se eternizou no Inter por ser o capitão do mundo em 2006, mas sua liderança foi construída como uma notável capacidade de agregar.
A gurizada da base o amava. Ia vê-los, emprestava chuteira, dava conselhos. A relação com a imprensa era transparente. Se não concordava com algo, vinha conversar. Era um um líder de diálogo. Entendia o nosso trabalho. Não navegava no confronto. Não nos via como inimigos, mas profissionais que erram e acertam assim como eles, jogadores. Conquistava as pessoas na conversa e no exemplo, embora soubesse dar o tranco no vestiário na hora certa, impondo a voz.
Eu era setorista do Inter nessa época, então falávamos quase todos os dias. Virei meio um setorista de Fernandão, talvez. No seu último dia em Porto Alegre, estive no apartamento dele, fazendo matéria para Zero Hora.
Fernandão era um profissional e uma pessoa muito diferente. Acima da média. Sua morte prematura foi uma grande injustiça para ele, sua família, o futebol brasileiro e todos nós.
Só que a vida, além de ser uma só, não é justa. Este é o ponto. Fernandão se foi jovem, mas viveu a sua como poucos. O torcedor colorado sabe bem disso, por que a dele foi um pedaço da sua.