O Palmeiras ampliou sua hegemonia nacional quando ninguém mais esperava, após a derrocada sem precedentes do Botafogo. Seguirá buscando obsessivamente o proclamado título mundial, para acabar com a corneta de ser o único grande paulista sem a glória suprema. Na rivalidade do trio de de ferro, como se chama a rivalidade tripla em São Paulo, é claro que esse é um ponto. Mas o fato é que o Palmeiras, em nível nacional, amplia tentáculos. Faturou a Taça Brasil (1960), o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1967, em duas edições, e 1969) e oito vezes o Brasileirão, instituído em 1971.
Nesta última versão, em 1972 e 1971, no embalo da lendária Academia de Ademir da Guia. Após duas décadas de ausência, 1993 e 1994 no pioneiro projeto Parmalat, espécie de avô das SAFs. Vanderley Luxemburgo era o técnico. Alguns anos adiante, em 2016, papou de novo com Cuca e 2018, pilotado por Felipão. Por fim, o bi em 2022 e 2023, na Era Abel Ferreira. Doze nacionais, ao todo. Mas qual o segredo, para além do campo e bola?
A presidente do campeão brasileiro é Leila Pereira, que faz um trabalho responsável e corajoso, freando contratações caras em nome das finanças. Fecha o ano ano com taça no armário e no caminho da dívida zero, calando cornetas precipitadas. Há penduricalhos do passado, mas eles estão sendo debelados. O débito com a própria Crefisa, de Leila, que era de R$ 43 milhões, em breve sumirá.
Não é assim que funcionam os caminhos do fluxo de caixa, ok, mas só o prêmio pelo Brasileirão (R$ 47,8 milhões) já encerra a questão Crefisa. Em nome de dívidas passadas, mesmo que infinitamente menores do que as de três dígitos de Grêmio e Inter, Leila vendeu Danilo e Scarpa e não bancou reposições milionárias. Foi essa estrutura sólida e permanente que lhe deu suporte, encorpando o clube para investir em 2024 e ainda levantando mais uma taça.
São 12 títulos no Palmeiras. É uma honra ficar tanto tempo em um clube desse tamanho
ANDREY LOPES
Auxiliar técnico
Leila tem dois fiéis escudeiros. O CEO, responsável pela gestão geral do clube, chama-se Cristiano Koehler, 47 anos, há cinco no cargo. É gaúcho, assim como o gerente de futebol Cícero Souza, 50, que vai para a sua 10ª temporada. Duvido que haja um profissional há tanto tempo no cargo nesta função no país como Cícero. A continuidade não se limita aos cargos de gestão. Estende-se ao futebol. Até nas poucas trocas de técnico dos últimos anos a ideia é manter.
— Poder dar sequência a um trabalho, inclusive nos momentos de turbulência, faz o Palmeiras muito sólido em seus processos. Eles não nos garantem os títulos, mas nos permitem andar sempre próximo deles — resume Cícero, ex-Grêmio, Sport, Criciúma e Bahia, pela ordem.
Andrey Lopes, 50, auxiliar-técnico, outro natural da Província de São Pedro, soma seis anos de Palmeiras. Trabalhou com vários treinadores na Academia, nome do CT. Quando muda o chefe de vestiário, portanto, Andrey está lá para entregar-lhe os atalhos do novo ambiente e, não raro, inóspito. É um jeito de reduzir o impacto da mudança, sinalizando valorização das rotinas de trabalho. Abel, que veio de outra cultura, o agradece sempre que tem oportunidade.
O Palmeiras busca permanentemente manter um modelo de gestão de alto rendimento focado em resultados dentro e fora do campo.
CRISTIANO KOEHLER
CEO do Palmeiras
— São 12 títulos no Palmeiras. É uma honra ficar tanto tempo em um clube desse tamanho — diz Andrey, numa troca de mensagens durante o Sala de Redação, do qual é ouvinte assíduo, sem fechar a porta para uma carreira solo conforme o andar da carruagem.
Agora mesmo, se o técnico português sair em nome dos petrodólares árabes, possibilidade que perdeu força com suas últimas declarações, não é de se descartar a possibilidade de Andrei assumir o posto, dentro da mesma ideia de continuidade de processos, na gestão e no campo. Cícero, o CEO, e Cristiano, o gerente, surgiram no Grêmio. Andrey trabalhou na base do Inter, do Grêmio e, com Dunga, na Seleção Brasileira, antes de se fixar no Palmeiras.
— O Palmeiras busca permanentemente manter um modelo de gestão de alto rendimento focado em resultados dentro e fora do campo. As conquistas, títulos, elas estão atreladas ao equilíbrio financeiro e à nossa infraestrutura geral — afirma Cristiano, ex-Grêmio, Vasco, Flamengo.
O segredo do campeão brasileiro de 2023, portanto, vai além do ótimo Abel Ferreira. É a crença radical na continuidade de uma estrutura, com projeto e ideias claras. Não só no discurso. Falar é fácil. Depois, na primeira crise de resultado, entrega-se a cabeça de alguém para acalmar a onda das redes sociais, em nome de uma excepcionalidade de ocasião. Pode ser técnico, executivo, preparador físico, dirigente cartola.
Arrostar continuidade é moleza. Essa é a regra no futebol brasileiro. Duro é praticá-la de verdade e radicalmente, para além deste ou daquele presidente (a) ou técnico. O Palmeiras foge à regra. Esse é o segredo, com certo tempero gaúcho.