O Brasil tem muito do que não se orgulhar enquanto país, e nem é preciso listar muitos itens, a começar pela fome a a desigualdade social. Mas quando o assunto é Seleção Brasileira, muda tudo. E olha que, mesmo no Catar, houve um escorregão.
A ida ao chef ostentação que bomba nas redes sociais não tem nada de errado, ilegal ou até antiético. Mas não precisava. Não para jogadores que, numa Copa, representam o país estando ou não em dia de folga.
O chef Usret Gokçe mostrou uma conta de quase R$ 1 milhão que um ricaço gastou lá no restaurante dele. É pura ostentação. Os jogadores não agiram pensando nisso. Não foram lá por mal. Vini Jr. é um guri do bem, que se engaja em causas sociais e vem de origem humilde.
Só que um em cada milhão de meninos pobres realiza o sonho de ficar rico e jogar uma Copa pela Seleção. Os outros seguem trabalhando e sofrendo. Então essa é a mensagem? Enriqueça e aja como um milionário excêntrico jogando dinheiro fora, recebendo comida de ouro na boquinha?
Mas eu posso estar errado, e nem é disso que quero falar. No dia que pode colocar o Brasil em uma mais uma semifinal, se passarmos pela traiçoeira Croácia de Modric, Perisic e Kramaric — cuidado com ele: artilheiro —, preciso falar sobre o orgulho de ser brasileiro. Não o orgulho fake de se julgar superior aos outros moralmente. O orgulho pelo futebol vem de uma realidade sem ódio, baseada nos fatos e na alegria de um povo que não desiste e sorri mesmo na desgraça.
O futebol brasileiro é tão venerado que, em Copa do Mundo, as celebridades não são só os jogadores, mas os torcedores. Qualquer um, e não apenas os organizados, em grupo, que fazem barulho. E não importa o resultado. Não importa o 7 a 1. Se for eliminado pela a Croácia, segue igual. É muita história. São muitos craques. Muitos títulos. Numa estação de metrô aqui no Catar, a Al Bidda, tem foto do Garrincha.
Basta ser brasileiro e estar identificado com a camiseta da Seleção e você vira candidato a celebridade. Rayan Shaban, 22 anos, e Husam Migaishet , 27 são da Arábia Saudita. Rayan é mais descolado. Sua diversão é abordar brasileiros e tirar selfie com eles.
— Quero tirar fotos porque torço para o Brasil, ora — responde Rayan com certa surpresa quando lhe pergunto.
Insisto. Ele recém abordara um casal que levou um susto quando recebeu o convite para uma selfie. O homem e a mulher não entenderam direito, aliás. Imaginaram se tratar de engano. Depois, Rayan enviou os registros para um grupo de amigos. Na sequência, áudio descrevendo tudo, sorrindo feito criança com doce.
— É que o jeito de vocês torcerem é diferente. Dançam mais, cantam mais, gritam mais. É mais divertido. Os argentinos são assim também, mas a gente prefere os brasileiros — explica Husam, o mais velho.
Então os árabes idolatram não só Neymar, mas os conterrâneos de Neymar. Na cabeça deles, um pedaço enorme do sucesso do nosso futebol está na torcida, que ama, odeia e perdoa para logo em seguida voltar a amar, odiar e perdoar de novo. Curtem essa incoerência. Husam e Rayan não conseguem criticar ou vaiar a seleção da Arábia Saudita. Na cabeça deles, de certa maneira, é como se fôssemos todos Neymar e Vini Jr. nessa Copa. E aí, sim, dá orgulho de ser brasileiro.
Será assim assim, no Education City. Se vier derrota, vamos chorar. Se ganhar, de preferência com a dancinha que tanto irrita os barões ao verem meninos pobres de um país miscigenado tão melhores do que eles, aí sorriremos. Mas o orgulho de ser brasileiro em uma Copa do Mundo, único pentacampeão, como diz a canção da torcida, permanecerá intacto.