Eis aí uma diferença desta quarta passagem pelo Grêmio, anunciada feito bomba 24 horas antes do jogo contra o Vila Nova, na Arena. Desta vez, Renato volta na condição solene de estátua. Pode parecer só uma boa ideia para título de crônica, mas não é.
Na inauguração, ele próprio era o técnico. Emocionou-se, ao lado da filha Carolina, mas depois voltou para a rotina no CT. Era um casamento feliz e sem fissuras. Desde então, a Esplanada da Arena virou destino de romarias de torcedores, que tiram fotos e selfies. Quando Renato deixou o Grêmio, rapidamente a obra virou também um fantasma. Uma assombração.
Seus sucessores logo sentiram o peso daquele bloco de bronze. A cada tropeço de Thiago Nunes, Felipão (sim, inclusive Luiz Felipe), Vagner Mancini e agora Roger Machado, os torcedores deixavam o estádio resmungando e comparando com 2017. E topavam com quem, ainda dentro da Arena? Com ele, Renato, o herói de Tóquio que, como treinador, regressara anos antes para tirar o clube de um longo inverno de 15 anos sem ganhar nem canastra e deixar em troca uma pilha de títulos para os gremistas se lambuzarem, com direito ao tri da Libertadores e supremacia em Gre-Nal.
Imagine Abraham Lincoln ressuscitado, erguendo-se da cadeira do Memorial em Washington e caminhando na direção da Casa Branca, acenando para as pessoas. Quando entrasse no Salão Oval, restaria a Joe Biden correr para o gabinete, limpar as gavetas e dar no pé.
Não se trata de ciência de dados, de planejamento de longo prazo, relatórios de análise de desempenho ou racionalidade tática. Trata-se de paixão. E a paixão, além de combustível dessa imensa e cada vez mais complexa engrenagem empresarial que avança sobre os grandes clubes, vota. Elege conselheiros e presidente.
Trazer Renato antes que a oposição prometesse fazê-lo é uma tacada que acerta ao mesmo tempo duas caçapas. Além de lhe fornecer um cabo eleitoral poderoso, mesmo involuntário, subtrai o trunfo dos adversários. Quem irá se opor à permanência de Renato na eleição presidencial? Não se sabe quem será o candidato de situação no Grêmio, mas Denis Abrahão terá de adiar o sonho.
A maneira como Renato chega para reinar no vestiário prova que o departamento de futebol não fazia a menor ideia do que se passava lá dentro. Aí bateu o pavor de Romildo em não trocar, seguir na Série B e ser acusado disso pelo resto da vida, nas ruas ou nas pescarias em Osório.
Tenho convicção de que, bem ou mal, o Grêmio não deixaria de subir com Roger. O que Romildo fez ao implodir tudo sozinho na tarde de quinta-feira foi lavar as mãos. Nas quatro últimas rodadas, o time parecia em estado de decomposição. Nunca saberemos se não era só momento, como muitos já superaram nesta Série B. Ou ataque de pânico de uma direção que erra nas contratações e diagnósticos.
A volta de Renato é uma capitulação. Ele foi demitido para acabar com a hipertrofia do vestiário e supostos métodos defasados de treinamento e indicação de reforços, resultado de uma centralização que havia semeado vícios incuráveis no paciente. Fadiga dos metais. Era o que eu ouvia, ao menos.
Agora lhe pedem perdão e imploram que evite o pior, pelo amor de Deus. Está na cara que o problema não era treinador lá e nem agora, e sim o clube. O rebaixamento tem muitos culpados. Renato já foi vítima dessa simplificação. Se nada mudar em 2023 nesse sentido mais amplo, temo pelo Grêmio e pelo fator estátua sobre o homem de carne e osso que a inspirou.