Lá vou eu de novo citar a Velhinha de Taubaté, aquela personagem do Luis Fernando Verissimo que acreditava nas pessoas mesmo quando nada ao redor recomendasse. E se o drama de Jean Pyerre, diagnosticado com um tumor no testículo e o fantasma do câncer a lhe rondar, significasse uma trégua na intolerância Gre-Nal?
Taison, imediatamente, foi para as redes sociais com mensagens de solidariedade ao amigo e colega de profissão. O Inter o acompanhou. Jean Pyerre acolheu e agradeceu sem pudores, assim como o Grêmio. Parecem gestos óbvios, mas não são.
Surgiram centenas de mensagens ofensivas, de colorados e gremistas, colocando questões esportivas acima de algo muito mais importante: a vida. E, pior, condicionando solidariedade à cor da camiseta, como se isso foi relevante, numa completa inversão de valores.
Prefiro me ater aos gestos de solidariedade até de rivais dos gaúchos. Como o do Corinthians, que se manifestou oficialmente, mesmo ainda em meio ao sentimento de revanche da Gaviões da Fiel devido ao rebaixamento de 2007.
Compreendo a força motriz da rivalidade Gre-Nal, alimento para tantas façanhas de modelo à toda terra. Nasci e cresci na Província de São Pedro. Sei muito bem que rivalidade não se faz com canções de ninar, linguagem erudita e salva de palmas com balões coloridos. Sempre haverá provocações, piadas e clima de guerra. Só que até a guerra de verdade tem seus códigos. A Convenção de Genebra proíbe, por exemplo, o uso de gás venenoso ou ataques propositais contra civis. Há limites, portanto.
A escalada da flauta Gre-Nal anda beirando o abismo. O minuto de silêncio. O Arerê. A valsa do Sasha. As imitações da curiosa dança do goleiro Kidiaba. São piadas engraçadas, admito, mas o problema é: quem toca a corneta alega que o futebol está chato, enquanto o alvo exige respeito. Ali adiante, invertem-se os papéis, sempre com uma pitada de raiva a mais. Um sempre acusa o outro de ter começado, tipo árabes e judeus.
O resultado recente dessa escalada não foram títulos, e sim pancadaria entre jogadores, Grêmio rebaixado e Inter quase. Nada de glórias farroupilhas, mas fiascos. O Inter esqueceu de jogar o Brasileirão depois de vencer o Grêmio, enquanto o Grêmio passou um tempão se enganando a cada novo Gre-Nal não perdido. Muita flauta, no embalo da banalização da intolerância que a disputa política exporta para o dia a dia, e pouca bola na rede.
A Velinha de Taubaté gostaria que a batalha pessoal de Jean Pyerre fosse uma espécie de bola ao centro, já que os primeiros gestos de jogadores e clubes foram de distensão do clima bélico. Assim como era melhor os jogadores do Grêmio não falarem sempre em morte do Inter, defendo agora que estes, após empatarem o Gre-Nal da flauta cantando a valer o Arerê, segurem um pouco a onda.
Melhor os jogadores, de Grêmio e Inter, deixarem isso para os torcedores. No nosso caso específico, estamos virando perigosamente o fio. É a minha sensação. Que tal todos focarem nos seus objetivos de campo e se esquecerem durante um período, por breve que seja? Seria um bom exercício, de empatia, como o de Taison e Jean Pyerre.
Sim, é só um jogo, embora seja o mais fascinante de todos.