A última parte do futuro rumo à Copa do Catar começa esta semana para a Seleção Brasileira. Do ponto de vista burocrático, a largada se daria na primeira rodada das Eliminatórias. Mas no do ideal a perseguir e dos planos para chegar lá com o futebol sonhado por Tite. A convocação desta sexta-feira (16), para os amistosos dos dias 5 e 10 de setembro, contra Colômbia e Peru, nos EUA, é a primeira de um Tite campeão pela Seleção. No império do resultado, seria impossível pensar nele sem títulos até 2022, após a eliminação na Rússia. A Copa América em casa era uma fronteira para um ciclo de renovação, sempre instável e traiçoeiro por natureza.
Há projetos que frutificam muitos anos depois, mantidos apesar de montanhas de derrotas. O que transformou a Alemanha foi assim. É a compreensão de que nada duradouro vem de graça. Exige tempo. No Brasil, isso é impossível. Tite tinha de ganhar a Copa América para seguir sonhando. Talvez ficasse no cargo com qualquer resultado, se Rogerio Caboclo cumprisse sua promessa. Não creio. A história da CBF não é exatamente feita de coerência e palavra no fio do bigode. Vá lá. Ainda assim, Tite trabalharia debaixo de uma pressão insuportável, com olhares negativos para tudo, às vezes sem nem a tentativa de examinar um mesmo fato por outro ângulo, nem que fosse para efeito de raciocínio.
A Copa América veio sem Neymar, com Tite tendo de mexer no time para encontrar rendimento e o melhor desenho tático. Seu crédito subiu. Soube agir rapidamente, ao contrário da Rússia. Encontrou novo lugar para Gabriel Jesus, na direita, e ele voltou a fazer gols. Cebolinha começou reserva e terminou titular. Vencer bem a Argentina de Messi ajudou. Campanha invicta. Melhor defesa, melhor ataque. E agora? Tite sabe que a nova Seleção terá de jogar muito mais se quiser ser campeã do mundo. O que vai pela cabeça do técnico gaúcho? Qual o sonho maior e sua tradução na prática, vencida a emergência resultadista?
Tite quer resgatar o futebol ofensivo do Brasil que faz os olhos de Pep Guardiola brilharem. O catalão e melhor técnico do mundo se emociona quando fala da Seleção de 1970. É o que Tite almeja, como obra. Recuperar aquela magia, adequando-a à aridez das tarefas tática de um esporte cada vez mais veloz e físico. Reza todos os dias para que surja um camisa 10 raiz. Fala-se muito em futebol intenso, mas Tite já disse varias vezes que há momentos nos quais é preciso o oposto: a não-intensidade. Pense em Douglas e D'Alessandro no auge. É isso que Tite quer. Não um Ganso, talentoso porém estático. Um camisa 10 que se mexa. Que participe com e sem a bola.
Lucas Paquetá é uma aposta. Não vem bem. Virou reserva no Milan, mas a comissão técnica entende que ele pode, um dia, ser essa peça. Terá de amadurecer. E largar mais a bola. Seguirá sendo convocado. Philippe Coutinho tem lampejos. Não é o nome dos sonhos para a função. Não é um pensador. É mais atacante do que meia. A pergunta é: há outro melhor? Se aparecer um armador que faça melhor do que ele, entra e não sai mais do time. Aí, um dos planos é levar Coutinho para a direito, trabalhando um time mais equilibrado entre cadência e verticalidade.
E sempre há aquela possibilidade. O número às costas já é dele. Se a carreira de Neymar enveredar para dentro, por que não? Se for para o Barcelona, não tem jeito. Há Messi. Se for para o Real Madrid, atrás de Benzema é uma opção que ajudaria nesse sentido. O problema é saber o que Neymar fará da sua carreira. É uma incógnita. Enquanto o ritmista não surge - talvez nem apareça: os clubes brasileiros só formam atacantes de lado, para vender -, o futuro impõe adequações. Arthur, pelo que se viu na Copa América, está sendo construído para trocar passes também perto da área, e não apenas na largada da transição. Nos treinos da Seleção, a propósito, uma surpreendente descoberta.
Monitorados alguns piques, o primeiro lugar, claro, ficou com Everton. Mas Arthur não acreditou no segundo: ele mesmo. Esse foi o pontapé do novo Arthur na Seleção. Se não tem vocação para finalizar dentro da área como um grande meia, que tal avançar com a bola, quando o espaço convidar, e acertar o passe lá perto da área, em vez de só na transição? Por fim, o futuro da Seleção exigirá uma garimpagem acelerada para achar zagueiros e laterais. Do meio para trás, a média de idade aumenta. Thiago Silva alcançará o Catar? Filipe Luís está se despedindo. E se Daniel Alves não for um highlander?
A equipe de apoio, com Cleber Xavier no comando e Matheus Bachi cada vez mais ativo, trabalhando diariamente. Reúne informações, pega os calendários das ligas, escolhe alvos, grava jogos ou viaja para ver ao vivo, analisa, destrincha tudo. Um bom zagueiro jovem e veloz pode não estar nos grande clubes, mas em clubes médios, cujos jogos não passam tanto na TV. Se não aparece o extraclasse, tem de procurar o bom ou médio com potencial para lapidar, até por que os clubes brasileiros vendem cada vez mais cedo. Alguns ficam esquecidos. É o caso de Samir, 24 anos, ex-Flamengo, da Udinese, espécie de Militão, zagueiro e lateral, só que pela esquerda.
O futuro da Seleção sugere uma obra em aberto. Há muito por fazer. Agora seu técnico tem um título a lhe renovar o crédito. E um espírito, pode apostar, mais leve para ir atrás do sonho. Tite aprendeu a rotina do lugar como técnico da Seleção, e só ele sabe o que isso significa.