Ele foi citado na convocação para os amistosos de março da Seleção, contra Panamá e República Tcheca, dias 23 e 26. Tite o usou como exemplo de trabalho corajoso e inovador, porém distante dos holofotes. Vinícius Munhoz, gaúcho de Santa Maria, 40 anos, treina a Ferroviária, vice-líder e na zona de classificação de seu grupo no Paulistão. Neste domingo (10), enfrenta o São Paulo.
Em Araraquara, implantou o mesmo modelo que chamou a atenção no Inter-SM. Após anos como preparador físico, inclusive da seleção feminina, e um período nos EUA, o pulo do gato. Entre 2017 e 2018, com bola no chão mesmo em gramados esburacados, bateu na trave do acesso à Série A pelo Inter-SM (foi às semifinais) sem jamais abrir mão do que acredita: jogo apoiado, farta troca de passes e organização. Sem medo do risco de propor ações.
É como se Vinícius acreditasse que dá para jogar à la Pep Guardiola não apenas nos grandes clubes, amparados por amplas estruturas de mármore e jogadores de qualidade superior, mas em qualquer campinho de pelada na esquina. Será isso mesmo?
Como você soube que Tite o citou?
A primeira mensagem foi do meu irmão, Marcos. Cheguei do treino e vi que meu WhatsApp parecia prestes a explodir. Em seguida, veio o vídeo da entrevista, com recorte em que ele se refere ao meu trabalho. Foi uma surpresa. Sei que ele assiste a muitos jogos, mas confesso: não imaginava que veria um nosso, mesmo contra o Palmeiras. Um elogio assim é um prêmio.
Você o conhecia?
Fizemos o curso da CBF juntos em dezembro. Conversamos em alguns momentos. Ele é muito gentil com todos. Mas não o conhecia pessoalmente.
No mundo e no Brasil, quem são os melhores técnicos?
Comungo das mesmas ideias de jogo do Guardiola. Acredito nelas. Gosto muito do Mauricio Pochettino, do Tottenham, mas creio que o Guardiola, hoje, ainda é o maior. No Brasil, Tite. Não por ter falado em mim (risos), mas por ser uma referência como organizador de times, mesclando estudo e vivência no futebol. É uma fórmula difícil. O Tite passa uma ideia de sabedoria.
Quando você passou da preparação para a casamata?
Na faculdade, em Santa Maria, já focava no futebol. Em 2013, assumi o sub-20 em Osasco. Ali acompanhei o trabalho do Fernando Diniz. Entre idas e vindas no Osasco, passando pelo Mirassol, voltei para casa para ficar perto da minha filha. Veio o convite do Inter-SM, onde o trabalho chamou a atenção. Depois, Ferroviária, que vem apostando nesse perfil de treinador.
E a crença nesse "estilo Guardiola", quando surgiu?
Sempre me chamou a atenção. O que me atrai é a organização com equilíbrio para atacar e defender. A Ferroviária sabe se proteger. Não levamos gol do Palmeiras, nesse jogo que o Tite viu. Não adianta se organizar só para atacar ou só para defender. O problema é que costumamos associar organização só para defender.
Você tem receio de ser visto assim pelo mercado: um ofensivista?
Não me incomoda. Ficar com a bola e propor jogo é uma tendência mundial. Te diria que sou um radical do equilíbrio, organizando os dois momentos, ataque e defesa, focando na transição.
Dá para jogar à lá Guardiola em qualquer clube, com qualquer grupo e até gramado esburacado?
Se o técnico tiver a capacidade de influenciar o comportamento dos seus jogadores, sim. Não é pedir para ser bonzinho ou malvado, não é isso. À medida que tu explica didaticamente o que vai acontecer, ele vai entendendo e melhorando. E isso se faz com muito trabalho e exercícios repetidos. Aí, a valer, o jogador vai pelo treino, com mais segurança.
A referência ainda é o Grêmio
VINÍCIUS MUNHOZ
Sobre qual time joga o melhor futebol do Brasil
Um jogador que nunca foi um acertador de passes pode aprender?
Muitos vão descobrindo habilidades. É função do técnico descobri-las e aprimorá-las. Claro que sempre haverá a vocação. Jogador é um ser humano, e não uma máquina repetidora de movimentos. Aliás, o técnico só brucutu e durão, como método de obediência, está com os dias contados. Carinho é fundamental.
Mas não é melhor buscar jogadores afeitos ao que você pretende?
Claro, mas uma coisa não exclui a outra. Se dá para trazer, ótimo. Mas não se pode contratar um grupo inteiro. Em clubes sem calendário o ano todo, como o Inter-SM e, em parte, a Ferroviária, que terá a Série D esse ano, fica até mais fácil fazer isso, pois os elencos mudam muito. No Inter-SM, fui atrás de critérios para cada posição: goleiro que saiba jogar com os pés não só no passe curto, mas no longo; zagueiro de construção e assim por diante. Procuro projetos com essa ideia de futebol, mas sei me adaptar a outros. Um técnico não pode ficar restrito a um só modelo.
Aceitaria jogar de outra maneira?
Dependendo das circunstâncias, sim. Futebol se ganha de várias maneiras, embora eu tenha a minha.
Quem joga o melhor futebol do Brasil?
O Grêmio. A experiência do Santos, com o Sampaoli, merece um olhar especial. Mas a referência ainda é o Grêmio.
Brasileiros na Libertadores: quem são os favoritos?
Grêmio, pelo momento, manutenção do trabalho e trajetória recente em alto nível. Palmeiras, pela cancha do Felipão e o elenco muito forte.
Sente-se preparado para voos maiores, como o de Fernando Diniz?
Sim. As oportunidades vão te melhorando, escaldando, ensinando a se adaptar a um cenário ou a adaptá-lo conforme a tua ideia, se for possível.