Ele próprio, em sua autocrítica impiedosa, sabe disso. A Seleção estreou na Copa naquele empate frustrante em 1 a 1, com a Suíça. Mas ele, o técnico, não. Pelo menos não no patamar que o levou a tantos títulos por clubes diferentes, adotando esquemas táticos diversos e provando o seu completo domínio do futebol. O treinador capaz de assumir um Brasil ameaçado de não se classificar para um Mundial pela primeira vez, algo mil vezes pior do que o 7 a 1, este ainda não tinha dado as caras na Rússia.
Bafejado pelo vento gelado que sopra do Golfo da Finlândia, cujas águas parecem querer entrar no Estádio São Petersburgo, de tão próximas, Tite enfim estreou na Rússia. Azar da Costa Rica, que mostrou valentia, alguma violência na perseguição a Neymar e muito anti-jogo. Suportou a pressão até os acréscimos colocando o Caribe inteiro dentro da área, mas a justiça concedeu um providencial 2 a 0 à Seleção. Com a assinatura de Adenor.
Diante dos suíços, Tite fez substituições óbvias. Papai-mamãe. Seis por meia-dúzia. Eu mesmo as faria. Depois do gol de empate, diante do nervosismo que se espalhou pelo time, trocou peças. Casemiro, por Fernandinho. Paulinho, por Renato Augusto. Gabriel Jesus, por Firmino. Melhorou, mas nada grave. Se tivesse vencido, seria mais no volume da insistência do que na lucidez do método. Tudo ao contrário do primeiro capítulo épico da Seleção, assinado na cidade dos 300 museus, muitos canais banhados pelas águas do Báltico e dezenas de parques.
Antes de entrar no roteiro dramático de São Petersburgo, você perguntará: epopeia para ganhar da Costa Rica? Exatamente. A Copa está mostrando um nivelamento espesso na organização tática, sobretudo nas estratégias defensivas. A análise de desempenho está disponível, com dados à exaustão. Nada mais é desconhecido. Foram-se as surpresas.
Assim, Marrocos encrespa diante de Portugal. A Islândia empata com a Argentina. A Armada de Espanha agradece a Alá pela goleada de 1 a 0 sobre o Irã. A Alemanha leva ferro do México. Portanto, vencer com 72% de posse de bola e 22 finalizações, da maneira como se deu, dois gols nos acréscimos, revirando o baú dos bordões do passado, foi uma ópera. Tite começou a ganhar da Costa Rica há quase sete dias na segunda-feira pós-Rostov. Durante a semana, ele percebeu o grupo tenso, cuja prova é o pranto de Neymar após o apito final. E agiu.
Deu mostras de que as críticas não abalariam a confiança dele no time para o segundo jogo. Não mudou nada na programação, incluindo folgas. Só mexeu na escalação por que Danilo se lesionou, dando vez a Fagner. Em 2001, no Grêmio, Tite colou mensagens de parentes no vestiário do Pacaembu, na final de Copa do Brasil, contra o Corinthians. Ao sentir que o astral desabara após o empate em Rostov, usou os familiares em pessoa. No último treino em Sochi, muitos assistiram da arquibancada. Detalhe: era treino fechado.
No jogo, Tite corrigiu os erros da estreia. Os seus e os do time. A bola girou, em vez de ficar só no lado esquerdo. Philippe Coutinho, o nome da Seleção na Copa até agora, conseguiu ser mais articulador, sem perder a veia artilheira. A paciência na bola de pé em pé, que virou afobação contra a Suíça, retornou. A Costa Rica encaixou um contra-ataque apenas. A cada erro de passe, o time inteiro reagia, como se passasse de 110v para 220v.
Só que posse de bola e paciência, sozinhas, não ganham jogo – embora sejam um bom começo. Era preciso dar o passo seguinte, e Tite teve de intervir. Em vez de manter a apatia de Willian até o final, deixando Douglas Costa no banco, como diante dos suíços, redimiu-se apostando na impetuosidade do ex-gremista já no intervalo. A Seleção voltou mais agressiva, com outra postura ofensiva. Quando todos pensavam que entraria o movediço Fred, ou talvez Renato Augusto, no lugar do irreconhecível Paulinho, Tite atacou de Firmino. Surpreendeu. Arriscou. E não tirou Gabriel Jesus lá da frente, como diante da Suíça.
Suas escolhas decidiram o jogo, impedindo o filme de terror que sucederia um novo empate, do ponto de vista emocional. Gabriel cresceu. Cabeceou no travessão e deu assistência para Coutinho abrir o placar. O segundo gol, de um Neymar ainda não 100%, nasce dos pés de Douglas Costas, que o oferece de mão beijada. Firmino tornou a equipe mais aguda.
O técnico gaúcho estreou na Copa em São Petersburgo, com suas leituras corretas e soluções adequadas para a realidade do campo. É a melhor notícia possível, para muito além da primeira vitória e da liderança do Grupo E, que devem injetar confiança. O caminho é longo. O hexa exigirá bem mais do que se viu diante da Costa Rica. Mas a volta do velho e bom Tite é um bom sinal.