Este fim de semana é de Campeonato Gaúcho para Grêmio e Inter, mas uma decisão de Renato sobre a Primeira Liga me acendeu uma fagulha. Ele decidiu estrear os reforços contratados, todos reservas, no meio da semana. Podia colocar time misto no Gauchão, já que é começo de temporada, mas escolheu um jogo fora de casa, contra um gigante, o Flamengo, em Brasília.
Não é diferente com Antônio Carlos. O técnico do Inter mudou o time em oito posições para enfrentar o Brasil-Pel na última quarta-feira, em relação aos 11 eleitos contra o Veranópolis. E o que isso significa? Significa que ninguém dá a mínima para a Primeira Liga. Renato e Antônio Carlos estão certos em fazer rodízio na largada do ano e eleger a Primeira Liga para tais experimentações.
De todos os campeonatos, é o menos importante.
Lamento o fracasso, porque a ideia era boa. O torneio funcionaria como sopro de ar na embolorada estrutura do futebol brasileiro. Semente do amanhã. Embrião do futuro – conforme anunciaram os idealizadores, ao som de trombetas em bemol. Enfim, o primeiro passo na direção do sonho da liga nacional independente, mais profissional e livre dos humores de interesse da CBF.Simpatizei com a ideia de peitar os barões do Palácio da Barra da Tijuca.
Na minha santa ingenuidade, imaginei que melhor hora não poderia haver para peitar Marco Polo del Nero, um presidente que morre de medo de viajar para o Exterior e fazer companhia ao seu antecessor, Jose Maria Marín, preso pelo FBI. Só empurrar que eles caem, pensei, afundados em indícios de propinodutos.
Nada disso aconteceu.
Assim como está, a Copa da Primeira Liga é só um amontoado de jogos a mais para inchar um calendário já suficientemente estufado, com risco de lesionar jogadores pelo excesso de rodadas quando os músculos ainda estão mais presos do que o Eike Batista em Bangu. E quem acusá-la de mera desculpa para arrumar um troco extra da TV não pode ser chamado de insano.
Em nenhum momento se percebe a gestação de um grito de independência. Os clubes não se entendem. Ou se entendem às pressas, para não pagar o mico de encerrar tão logo um torneio que mal começou. Coritiba e Atlético-PR roeram a corda e desistiram, descontentes com a divisão de cotas. Alegaram que, nos tempos da Sul-Minas, o bolo era repartido em partes iguais. O objetivo da Primeira Liga seria o de contrapor a CBF, mas os convidados Flamengo e Fluminense só querem saber de cotas maiores.
O vice-campeão do ano passado, portanto, Atlético-PR, vazou. Cruzeiro e Atlético-MG cogitaram sair, mas voltaram atrás nos acréscimos. Em 2015, o Cruzeiro chegou a anunciar que estava fora. Sabe qual o motivo? Diferenças com o então CEO da recém-criada liga, ex-dirigente do maior rival, o Galo. Hoje prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil renunciou na sequência, convencido de que os clubes estavam de joelhos diante da CBF, a quilômetros de distância de desafiá-la e formar uma liga nacional independente.
A grande e triste verdade é que os nossos dirigentes não conseguem sentar em torno da mesa e estabelecer uma pauta mínima de reivindicações. No minuto seguinte ao “está aberta a sessão” já começam as brigas, vitaminadas por questões paroquiais. Cotas, especialmente. Este ou aquele no cargo. Traições. No instante seguinte ninguém mais se importa em discutir conteúdo algum e vê só o seu lado. Foi esta lógica que liquidou o Clube dos 13, que nunca se opôs como como deveria à CBF, é verdade, mas ao menos tinha o mérito de não deixá-la reinando sozinha.
E não se trata só dos cartolas.
O que dizer do Bom Senso? A tentativa de uma entidade de classe para mudar o futebol morreu antes de aprender a andar. Salvo exceções – generalizar nunca é bom –, os jogadores não estavam nem aí. Não se dão as mãos, como se fossem uma fileira de bonequinhos de pebolim sem a barra que os une. Em regra, quem se envolvia namorava o fim da carreira. E, pior: uma quantidade pequena colocava a mão na massa.
Uma coisa é desafiar o sistema no auge, arriscando a popularidade, os bons salários e até a próxima convocação garantida por este mesmo sistema. Outra é se valer dele até o fim para só depois reclamar. Não está errado. É melhor do que nada, mas perde força e credibilidade.Imagine o peso de um Neymar, um David Luiz, um Thiago Silva ou um Robinho denunciando absurdos trabalhistas daquele time pequeno no interior do Piauí, revelando atraso de salários na Série A ou criticando a corrupção dos dirigentes? Poderiam tocar a opinião pública.
E será que os torcedores estão mesmo preocupados com tudo isso ou só reproduzem a lógica de dirigentes e jogadores? Vi tuiteiros reclamarem de Rafael Moura não por ele jogar mal (e estava muito mal mesmo), mas por ir a Brasília para uma reunião do Bom Senso. Tinha de estar com a cabeça só no clube. É a lógica do umbigo. Importa o que me serve, o resto que se dane.
Eis o caldo que produziu essa Copa da Primeira Liga morna, que vai do nada ao lugar algum, mais uma tentativa frustrada de desafiar a ditadura da CBF e cujo efeito perverso é reforçá-la ainda mais.