A sensação que tenho, agora, nos estertores de dezembro, é que 2020 e 2021 foram uma coisa só, um ano longo e pastoso em que tudo demorou a acontecer, em que tudo se repetiu. Parece que estou preso em um pedaço de tempo mole e sombrio, uma espécie de areia movediça dos dias.
É claro que a pandemia é a culpada por isso. Nós nunca vivemos algo assim, nunca uma dificuldade foi tão global, como é a peste do coronavírus. Alguém pode argumentar que a II Guerra Mundial também afetou o mundo inteiro. Até pode ser, mas, na II Guerra, havia para onde fugir. Se você tivesse condições, vinha para as Américas, onde vivíamos em paz. Na pandemia, não. A pandemia não produziu refugiados, porque não havia lugar no qual se refugiar.
Mas não foi só a pandemia que me fez sentir como se estivesse em um sonho estranho. A política brasileira foi igualmente angustiante, porque virou algo circular, o país não evolui e dá a impressão de que jamais evoluirá, será sempre assim, para sempre.
É por isso que tenho a esperança de que esse Ano-Novo seja de fato uma ruptura. É a primeira vez que penso assim. Para mim, o evento do Réveillon não passava de uma data como as outras. Havíamos, nós, terráqueos, completado juntos uma volta inteira em torno do sol, mas as voltas continuariam ocorrendo, como ocorrem há 4 bilhões de anos. Então, não havia nada de especial. A vida seguia no seu ritmo imutável, com os ciclos se sucedendo e nós envelhecendo a cada dia, nada além do esperado.
Agora, não. Agora fico pensando que tudo será diferente. Nós, gaúchos, estamos quase todos vacinados, e o resto do Brasil está perto disso – hoje, somos melhores em vacinação do que no futebol. Isso significa que poderemos recomeçar de onde terminamos lá em 2019. Vida normal, com chopes cremosos, amigos em torno à mesa, pessoas sem medo de tocar em pessoas.
Ou seja: é possível retroceder até um tempo em que a vida era melhor. O problema é que em 2022 haverá eleição, e aí a tendência é tudo ficar pastoso e sombrio outra vez.
Por quê?
Por causa da paixão.
Os brasileiros amam incondicionalmente os seus políticos e por eles brigam como se estivessem defendendo as respectivas mães. Mas não foi sempre assim. Antes, o assunto palpitante era o futebol. Dizia-se que éramos um país com cem milhões de técnicos. E, de repente, o Brasil se tornou um país com 200 milhões de candidatos. Muito chato.
Mas, se conseguirmos voltar ao que éramos antes da pandemia, como acho que conseguiremos, talvez possamos fazer o mesmo na política. Talvez uma vacina contra a paixão política, um acontecimento que nos faça ver, como víamos antes, que não se pode confiar nos políticos. E que brigar por eles não passa de perda de tempo.