Às vezes um charuto é só um charuto, às vezes uma brincadeira é só uma brincadeira. Mas quem haverá de compreender isso nesse tempo em que tudo é grave? As pessoas estão perigosamente suscetíveis, se ofendem com facilidade e julgam os outros com rigor.
Elas se levam a sério.
Incomodam-me um pouco pessoas que se levam a sério. É difícil lidar com elas. Uma palavra e elas podem transformá-lo em agressor, em canalha. Aí matilhas de outras pessoas sedentas não por justiça, mas por justiçamento, vêm mordendo e arrancando pedaço. Um perigo.
O futebol, que é uma parte importante da nossa cultura popular, demonstra bem o que digo. Ao se profissionalizar, o futebol confundiu os brasileiros. Porque, para muitos brasileiros, o profissional é aquele que trabalha por dinheiro, e só. Não deve haver relação emocional entre ele e a empresa que o emprega ou entre ele e o cliente que por ele é atendido. Ele é uma máquina que cumpre uma tarefa. Ponto.
É assim que grande parte dos jogadores se enxerga. Só que eles estão trabalhando numa atividade que é sustentada pela paixão. Que existe apenas pela paixão. Ver o futebol bem jogado, como se vê um cantor num teatro, não basta ao torcedor. Ele precisa amar aquele clube. Assim, mesmo que o time jogue mal e seja feio de se ver, o torcedor não o abandona.
Se o jogador é de fato profissional, ele precisa compreender isso, porque isso é a natureza da sua profissão. Ronaldinho foi talvez o maior virtuose do futebol brasileiro, depois de Pelé e Garrincha. Mas se tornou menor por seu mercenarismo. Porque não compreendia a grandeza dos sentimentos que mobilizava.
Aí é que está: profissionalismo não é mercenarismo. O jogador tem de ser um pouco torcedor. E o torcedor tem de entender que o jogo de futebol é exatamente o que diz o nome: um jogo, nada mais. O futebol serve para divertir. Futebol é entretenimento.
Agora, no Gre-Nal de sábado, o meia Patrick, do Inter, festejou a vitória carregando dois caixões de papelão com as cores do Grêmio. Cortez, lateral do Grêmio, se irritou e tentou agredi-lo. Tenho visto gente condenando Patrick. “Não foi profissional”, dizem. Pois digo o contrário: agindo desta forma, Patrick mostrou que é o tipo de profissional que todo consumidor (no caso, torcedor) quer e admira. Porque Patrick demonstrou que há sentimento envolvido na sua profissão. Ele não faz o que faz apenas por dinheiro. Faz por amor. Esse é o verdadeiro profissional. O verdadeiro profissional, no fundo, é um amador.
Quem critica o gesto de Patrick e argumenta que o futebol “é profissional”, logo “é coisa séria”, esses é que estimulam a violência. Porque são esses que dizem, como tem sido dito por muita gente hoje, em outras áreas: “Isso é ofensivo! É um insulto! Vamos cancelar essa pessoa!”.
Não é ofensivo. Não é um insulto. É uma brincadeira. E, parafraseando Freud, às vezes uma brincadeira é só uma brincadeira.