Alguns leitores ficam agastados quando escrevo de futebol. Mas, calma, a crônica que se derrama abaixo não é exatamente sobre o nobre esporte bretão. Quero usá-lo para cimentar a tese que comecei a desenvolver na coluna anterior. Que é a seguinte, caso você não se lembre: a chamada perspectiva histórica também nos engana e nos trai.
Ocorre que no futebol é mais fácil de tirar conclusões corretas, porque estamos falando de um jogo, com vencedores e perdedores definidos por pontos e número de gols. Claro, muitas vezes os perdedores são injustiçados. Um time está fazendo tudo certo, mas foi derrotado por uma única contingência, um acaso, um erro do juiz. Não interessa. A história contará os méritos do vencedor como se tivessem sido objeto de criterioso planejamento. Ele sabia o que ia acontecer. Ele sabia o que estava fazendo. O resultado positivo era inevitável.
Não é bem assim. No futebol e na vida não é incomum que o pior vença.
Só que algumas verdades são incontestáveis, quando vistas a certa distância. Celso Roth ficou marcado por ter escalado Itaqui e deixado Ronaldinho no banco do Grêmio. Realmente, não existe ângulo ou abordagem que dê razão a Celso Roth, neste caso.
No Grêmio de agora, outro despautério vem sendo cometido. Não da mesma dimensão, que Ronaldinho era um ser superior quando tinha uma bola nos pés. Mas, mais tarde, no futuro próximo, as pessoas se escandalizarão ao saber que Ferreirinha foi reserva desse Grêmio. Não tem cabimento. Ferreirinha é, de longe, o melhor atacante do grupo.
Mas há uma boa notícia para o técnico do Grêmio: ele tem a oportunidade rara de corrigir o seu futuro. Se ele for de fato um conhecedor, como suponho que seja, ele tem tempo para reparar esse erro. Basta escalar Ferreirinha. Com Ferreirinha no ataque e com Kannemann e Geromel na defesa, o Grêmio sairá do pântano. Acredite no que digo: sairá. E o treinador do Grêmio estará a salvo dos pósteros.
A vida oferece essas chances a poucos, mas oferece. Taffarel, por exemplo, teve o prestígio salvo pela Seleção Brasileira. Fosse apenas por sua carreira no Inter, entraria para a história como um goleiro que falhava em Grenais.
Nas artes, alguns só se tornam grandes como mereciam depois que pararam de produzir, graças à perspectiva histórica: Van Gogh e Kafka são exemplos rutilantes do que digo. E Belchior, que agora virou cult, passou 20 anos no limbo. Ninguém se importava com ele, ele era apenas um compositor antigo, além de um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso.
Quer dizer: todos nós ainda temos possibilidades de redenção. Quem sabe não nos concederão as nossas devidas glórias depois da morte? Oh, como homens como eu e você somos injustiçados pelos nossos contemporâneos...