Na verdade, Porto Alegre sempre foi contra o gaúcho. Sou porto-alegrense, mas preciso reconhecer essa mancha. O gaúcho bravo, indômito e livre, o gaúcho autêntico, que desenhou com seu sangue as fronteiras do Brasil, o gaúcho mestiço de charrua, minuano, tropeiro paulista, negro africano e colono alemão e italiano, o gaúcho espanholado do Pampa sem cerca, esse gaúcho nunca teve nada a ver com as amenidades da Capital. Não é por acaso que Porto Alegre ganhou o duvidoso título de leal ao governo central, ao resistir aos Farrapos durante a revolução de 1835. Porto Alegre resistiu e, orgulhosa dessa subserviência à monarquia, inscreveu um “leal e valerosa” no brasão de sua bandeira branca.
É por isso que, quando chega essa etapa do ano, o 20 de Setembro, o gaúcho raiz começa a ser destratado e enxovalhado pela intelectualidade urbana que se presume superior. “Comemoram uma guerra que perderam”, desdenham os bajuladores dos brasileiros. Não é verdade! Tudo o que os revolucionários de 35 reivindicaram foi atendido. Tudo. Quem cedeu foi o Brasil, não o Rio Grande.
A intenção de Porto Alegre era ser reconhecida pelo Brasil central, ser afagada por cariocas e paulistas, ser citada no Jornal Nacional, ser cenário das novelas da Globo. Talvez tudo isso acontecesse se ela fizesse justamente o contrário – se ela fosse mais gaúcha do que brasileira.
Olhe para os baianos. Curiosamente, os gaúchos que lutavam na Guerra do Paraguai chamavam todos os outros brasileiros de baianos. Era algo pejorativo, mas, ao mesmo tempo, mostrava a força da cultura da Bahia. E é assim que é: observe Caetano, Gil, Jorge Amado ou quaisquer outros baianos que “conquistaram” o Brasil. Eles jamais rejeitaram a Bahia. Ao contrário: exaltam-na. Eles moram no Rio ou em São Paulo, mas vivem a repetir que na Bahia tudo é diferente, tudo é especial, tudo é mágico.
O gaúcho, não. O gaúcho vai para o Rio e se abrasileira miseravelmente. Ele quer esquecer de onde veio, ele fala chiado, ele vira carioca. Os soldados da Guerra do Paraguai tinham razão: o baiano e o gaúcho são opostos. Só que, do século 19 para cá, o gaúcho foi devastado por sua própria autocrítica. O gaúcho passou a achar ridículo ser gaúcho, enquanto o baiano ama sua baianidade. E, sendo assim, sendo cada vez mais baiano, o baiano desperta a admiração de cariocas e paulistas de uma forma que o gaúcho abrasileirado gostaria de despertar.
É uma questão de filosofia e, também, de psicologia. É uma questão de você saber quem é. Para ganhar o apreço dos outros você tenta imitá-los. Não! Se você não gosta de quem é, como espera que os outros gostem? Seja você mesmo! Assuma-se! Como diria Nietzsche, “torna-te quem tu és”. Chega de falar mal do 20 de Setembro. Sirvam nossas façanhas de modelo à nossa própria terra.