Houve um tempo glorioso da minha vida em que eu só saía da cama depois das 10 da manhã. Podia acordar mais cedo, não importava. Continuava deitadão, lendo, no mínimo até as 10h. Questão de princípios.
Numa dessas manhãs de ócio criativo, estava ainda debaixo das cobertas, mas com as costas apoiadas nos travesseiros, sorvendo um romance do Ed McBain, quando o telefone fez o que às vezes faz só para me irritar: tocou. Era a minha mãe, com voz nervosa:
– David! Um avião bateu numa das Torres Gêmeas!
– Como assim?
– Liga a TV!
– Hein?
– LIGA A TV!
Percebi que a coisa era urgente. Pulei da cama, fui até a sala, liguei a TV e, de fato, uma aeronave havia mergulhado num andar alto de uma das Torres Gêmeas. De imediato, lembrei que isso já ocorrera antes: um avião havia colidido com o Empire State nos anos 40. O edifício não fora abalado, naquele tempo, mas, agora, o dano parecia maior.
“Ah, a superioridade das antigas construções!”, murmurei, enquanto preparava um café rápido para bebericá-lo diante da TV. Inclusive, quando as Torres Gêmeas estavam sendo erguidas, nos anos 70, muitos americanos faziam esse mesmo raciocínio. Apontavam para o Empire State e para o prédio da Chrysler e diziam:
– Esses são os edifícios mais bonitos de Nova York.
Em seguida, mostravam as Torres Gêmeas e completavam:
– E essas são as caixas em que eles vieram.
Também acho que o Empire State e o prédio da Chrysler são lindíssimos, mas gostava da arquitetura arrojada e, ao mesmo tempo, despojada das Torres Gêmeas. Elas combinavam com a paisagem de Nova York.
Mas o que queria contar é que, logo depois que meu café ficou pronto, o segundo avião atingiu a outra torre, e ficou claro para o mundo de que não se tratava de um acidente. “A América está sob ataque!”, sussurrou o assessor da presidência no ouvido de Bush, naquele momento, numa escola da Califórnia. E era verdade. Sabedor disso, corri para a redação de Zero Hora, a fim de me integrar à equipe que estava tratando do assunto. Fizemos uma reunião com o Marcelo Rech, então diretor de redação. Logo percebemos que estávamos testemunhando um marco histórico. Seria como assistir à queda de Constantinopla ou à crucificação de Jesus, com a diferença de que nós já tínhamos ideia de que o mundo mudaria depois daquilo.
As notícias dos ataques eram despejadas aos quilos na redação. Tanta informação, mas tanta, que a nossa maior dificuldade era organizar o conteúdo. No meio disso tudo, li um texto que abordava um tema tocante: as últimas mensagens das pessoas que sabiam que iam morrer.
Naquela época, exatos 20 anos atrás, as pessoas já tinham celulares, embora os aparelhos não fossem sofisticados como os de hoje. Não sei se você recorda: além dos dois aviões que foram atirados contra o World Trade Center, outro caiu no prédio do Pentágono e um quarto seria arremessado sobre a Casa Branca. Neste último, os passageiros se rebelaram, dominaram os terroristas e derrubaram o avião num local ermo. Pois bem. Vários passageiros, compreendendo que morreriam em seguida, tomaram de seus celulares para fazer sua última ligação. Isso aconteceu também com muitos dos que estavam presos nas Torres Gêmeas e sabiam que não sairiam dali com vida.
O texto que li contava sobre essas ligações derradeiras. O que me impressionou é que todas ou quase todas as ligações foram semelhantes. A pessoa que ia morrer ligava para um de seus afetos para dizer uma última frase:
“Eu te amo”.
Ninguém falou de dinheiro, de poder ou de trabalho. Ninguém ligou para fazer um insulto final, para dar um conselho ou para deixar uma mensagem para a posteridade. Não. As pessoas ligaram para dizer a outras pessoas que as amavam. Ou seja: quando tudo ia terminar, as pessoas entenderam instintivamente o que é mais importante: o amor. Talvez muitas delas só tivessem compreendido isso porque sabiam que estavam na hora da morte. Mas pelo menos tiveram chance de falar. Certamente um consolo para quem ouviu. E uma lição para quem está vivo.