Gaia é a deusa Terra, segundo os gregos antigos, aqueles velhos filósofos poetas. Passei o fim de semana num sítio chamado, exatamente, Rincão Gaia. É um lugar que foi concebido por José Lutzenberger, e é mantido pela filha dele, Lara.
Durante todo o tempo em que lá estive, pairou sobre mim a figura imensa de Lutzenberger. Eu o vi em pessoa apenas uma vez, quando fazia o primeiro grau no Colégio Arthur da Costa e Silva, o “Costinha”, na Zona Norte profunda de Porto Alegre. Estudei no Costinha até a sétima série. Então, devia ter entre 10 e 12 anos de idade, quando vi o Lutzenberger. Ele foi à nossa aula para dar uma palestra sobre ecologia.
Ninguém se importava muito com ecologia, nos anos 70, e ninguém sabia bem do que se tratava. Lutzenberger foi um pioneiro do assunto. Lembro que, num vestibular daquele tempo, o tema da redação foi este, foi algo sobre ambientalismo. Um aluno escreveu tão-somente: “Ecologia é com o Lutz”. E entregou assim a prova.
Isso ficou colado na minha memória, por alguma razão. Talvez porque eu concordasse: Lutz era mesmo um gigante. Essa impressão se solidificou, dentro de mim, unicamente por causa daquela palestra que assisti no Costinha. Lembro-me de Lutzenberger entrando na sala, um homem alto e magro, de pernas e braços compridos. Lembro-me da eloquência com que falava. Ele falava tanto, com tanto empenho, com tamanha energia, que galvanizou a turma de alunos. Ou, pelo menos, galvanizou a mim.
Foi nisso que pensei durante todo o fim de semana. Precisamente nisso. Não me recordo de uma só frase dita por Lutzenberger naquele dia. Não me recordo de nada do conteúdo de sua palestra. Claro, sei que foi sobre ecologia (ecologia era com o Lutz), mas o que exatamente ele falou se perdeu no tempo. O que ficou em mim, na poeira das décadas que se passaram de lá para cá, foi a forma como ele se expressou.
A forma.
Agora, passeando entre as árvores plantadas pelas mãos do próprio Lutzenberger, lembrei-me daquela tarde da minha infância outra vez e concluí: a diferença em favor de uma pessoa que fala como ele falava não é a técnica do discurso, a capacidade de se expressar, a eloquência ou mesmo o conteúdo. A diferença é se ele acredita ou não no que diz. Lutzenberger acreditava. E outros tantos, que tanto falam e que tanto querem nos encantar, será que acreditam? Ou será que é tudo por conveniência, tudo por interesse, tudo por poder? Eu sei a resposta.