O polvo não é bobo!
Talvez você não tenha percebido, mas fiz uma piadinha com um dos slogans mais famosos da antiga esquerda brasileira:
“O povo não é bobo!
Abaixo a Rede Globo!”
Hoje, esse slogan é da direita. Ou seja: ponto para a Rede Globo.
Mas minha intenção não é falar da esquerda ou da direita, essas malas, e sim do polvo, o animal, o molusco. Semanas atrás, escrevi sobre o polvo do Pampulhinha, que é servido com um molho delicioso, batatas de bom tamanho e legumes cozidos, e dezenas de leitores me mandaram e-mails dizendo que eu tinha, que eu precisava assistir ao filme “Professor Polvo”, na Netflix. O Marcelo Rech, que foi o primeiro a me fazer a indicação, chegou a classificar o filme como “uma obra-prima”. E todos acrescentavam no final: “Depois de ver esse documentário, tu não vais mais querer comer polvo”.
Será? Gosto tanto de polvo...
Bem. Fui assistir ao filme. O Marcelo estava certo: é mesmo uma obra-prima. Uma história, mais do que original, única. Duvido que aquilo que o filme conta tenha acontecido outra vez em qualquer momento da saga humana na Terra. Trata-se do relacionamento afetivo desenvolvido entre um homem e um polvo. Na verdade, uma polva.
A narração é feita pelo próprio protagonista, um sul-africano que mora à beira-mar, numa praia do lugar que o português Bartolomeu Dias chamou de Cabo das Tormentas e que depois foi rebatizado pelo rei João como Cabo da Boa Esperança.
Como muita gente já assistiu ao filme, não me deterei em analisá-lo, só relato que esse sul-africano ganha a confiança da polva a ponto de eles trocarem carinhos. Sério! A polva o abraça, com seus oito tentáculos, e se gruda amorosamente nele com suas ventosas. E, provando que o polvo, de fato, não é bobo, ela demonstra uma inteligência surpreendente ao iludir um tubarão que tenta caçá-la, numa tensa cena de perseguição. A forma como a polva engana o tubarão mostra que o bobo é ele, apesar de toda a sua força e ferocidade.
Em meio ao filme, fiquei com a impressão de que o sul-africano se apaixonou pela polva. Por Deus. Ele tinha necessidade de vê-la, mergulhava todos os dias a fim de encontrá-la e só pensava nela. Que nome se dá a isso, senão amor? Pois confesso: eu também ficaria apaixonado por ela, se ela me desse bola. Mas não me deu, até porque não sou sul-africano, não moro no Cabo da Boa Esperança, não mergulho no mar e só conheço polvos mortos, servidos por bons restaurantes, de preferência portugueses, como o nosso Pampulhinha.
É certo, inclusive, que pensarei naquela polva, quando estiver diante de um apetitoso polvo do Pampulhinha. Da próxima vez que pedir esse prato, farei uma reverência silenciosa à inteligência dos polvos em geral e à afetividade daquela polva em particular. Pensarei, e talvez até diga, em voz sussurrada: “Poderíamos ter tido um futuro juntos, eu e ela”. Então emitirei um suspiro profundo de nostalgia e darei uma garfada num daqueles tentáculos e misturarei com molho e batata. Enquanto estiver mastigando, farei um brinde com vinho verde:
_ Um viva aos nossos amigos polvos, deliciosos e amorosos!