Duas semanas depois de passar por uma cirurgia na coluna, decidi comemorar o fato de desfrutar de rápida recuperação e me sentir bem e inteiro, apesar de ainda estar um pouco fraco e muito remendado.
Decidi que, para o jantar, pediria nada menos do que o polvo do Pampulhinha.
Não é pouca coisa.
O polvo do Pampulhinha é um acontecimento da cidade, algo único nos 249 anos de história de Porto Alegre. É um dos melhores pratos portugueses de que já provei na vida, e aí incluo os provados em Portugal.
Restam raros restaurantes portugueses e alemães em Porto Alegre, uma lástima. A cidade vai crescendo e perdendo suas peculiaridades, vai se afastando das suas origens e se tornando, a cada dia, mais igual a todas as outras.
O polvo do Pampulhinha, no entanto, resiste. Trata-se de uma refeição para ser compartilhada entre quatro pessoas, no mínimo. Gosto de colher aquele molho denso e vermelho com o qual é servido e empapar uma daquelas grandes batatas que vêm de acompanhamento e amassá-la, transformando-a quase em um purê. Então, capturo uma porção da batata amolecida no molho e espeto um naco do polvo e... oh... que delícia é a primeira garfada.
É claro que, em seguida, sorvo um gole de vinho verde, tenho de ser fiel às tradições açorianas.
Estou consciente, no entanto, de que polvo não é uma comida fácil. É como certas músicas, que você precisa ouvir várias vezes até gostar delas como devem ser gostadas. Ou um livro mais profundo, que demanda uma concentração extra na leitura, até que você o aprecie em todas as suas camadas de compreensão.
O polvo é assim, porque chega à mesa com seus oito longos braços, é um animal quase completo que se apresenta no prato. Por isso, muitas pessoas rejeitam o polvo, preferem a segurança de um filé que em nada lembra a doce vaca da qual veio. Crianças, por exemplo, não são adeptas de polvos e outras comidas com tentáculos e ventosas.
Pois bem. Acontece que, entre os comensais que iriam partilhar o polvo comigo, estava o meu filho. Ele quase já não é mais criança, tem 13 anos. Mas essa idade, você sabe, é ainda mais complicada, em termos de vontades e manhas, porque é a flor a pré-adolescência. Além disso, ele iria comer polvo pela primeira vez na vida. Então, outro pai poderia se perguntar: será que esse menino não repudiará o polvo? Mas não eu. Eu sabia como o Bernardo reagiria. Ele iria comer talvez até com estranhamento, mas sem protesto. E, depois, iria gostar.
Foi o que aconteceu.
O Bernardo, ao deparar com aquele tentáculo no prato, ergueu as sobrancelhas e comentou:
— Olha só isso...
Depois, cortou um pedaço, levou à boca e exclamou:
— Que delícia!
Eu, do outro lado da mesa, estufei o peito de orgulho. Porque aquilo era obra minha. Eu, desde que o meu filho nasceu, eu digo para ele: “Nós comemos de tudo!” É uma máxima que repito sempre que há vacilo diante de qualquer alimento, seja a prosaica alface, seja o esquisito mocotó. Inclusive, certa feita, quando ele tinha uns quatro anos, essa legenda se voltou contra mim. Durante um almoço, disse para a Marcinha, quando ela me ofereceu uma coxa de galinha:
— Não... galinha não vou querer...
Ao que o guri comentou, com alguma malícia:
— Ué, papai, nós não comemos de tudo?
Sacana.
Tive de comer a galinha.
Mas o que interessa é que criei um rapazote que come de tudo, não é como aquelas crianças que demandam pratos especiais quando vão jantar na casa de amigos. Que venham, portanto, polvos! Que venham mondongos e pucheros! Que venham ostras ou sopas de tartaruga! Nenhum capricho nos impedirá de usufruir dos prazeres da vida!