É difícil pensar no Brasil, porque por aqui é tudo muito confuso. O homem que mais odeia Sérgio Moro e que mais trabalhou para sua desmoralização não é nenhum dos que ele condenou. É Gilmar Mendes, o mesmo que, em 2016, manteve as investigações sobre Lula com Sérgio Moro. Mas Gilmar Mendes, que chorou ao elogiar a defesa de Lula, foi quem suspendeu a nomeação de Lula como ministro de Dilma e quem chamou o governo do PT de cleptocracia.
No entanto, não foi Gilmar Mendes quem mais mal fez a Sérgio Moro: foi Bolsonaro, que, em 2018, prestou continência a Moro no aeroporto de Brasília. Na época, Bolsonaro era candidato e tentava angariar popularidade com a popularidade de Moro e da Lava Jato. Eleito, acabou com a Lava Jato e quase acabou com Moro.
Ao desmontar a Lava Jato, Bolsonaro ajudou Lula, que, no discurso, é seu maior adversário. No discurso, porque, na verdade, a eventual presença de Lula na eleição é o maior trunfo de Bolsonaro.
Lula, portanto, não é o grande adversário de Bolsonaro. Ao contrário, é quase um aliado. O grande adversário de Bolsonaro é o bolsonarismo. Porque não foi Bolsonaro quem criou o bolsonarismo, foi o bolsonarismo que criou Bolsonaro.
O bolsonarismo até apresenta um conjunto de ideias, que, embora sejam praticamente todas péssimas, formam um sistema de pensamento – grotesco, sim, atrasado, sim, mas é um sistema. Já Bolsonaro não é capaz de formular ideia alguma, além de armar a população, se é que isso pode ser classificado de ideia.
Não fosse pelo bolsonarismo, que exige sempre posturas agressivas, grosseiras e ofensivas ao senso comum, talvez Bolsonaro se comportasse como uma, digamos, “pessoa normal”. No trato da pandemia, por exemplo, ele poderia simplesmente ter seguido a direção para qual apontavam seus dois primeiros ministros da Saúde, que eram médicos, em vez de ficar receitando cloroquina, ele que não entende patavinas de medicina. Se Bolsonaro tivesse ficado quieto, se tivesse deixado seu ministro agir, hoje estaria consagrado. Mas o bolsonarismo fazia com que ele se manifestasse, e cada vez que ele se manifesta é uma tragédia. Ou uma comédia.
Enquanto isso, juízes e promotores da Lava Jato estão prestes a ser condenados e aqueles que eles condenaram estão prestes a ser absolvidos, o que significa que tudo aquilo que se sabe que aconteceu, os bilhões roubados, alguns deles até devolvidos, as contas escusas no exterior, os subornos, as tramoias, os malfeitos, a corrupção caudalosa, tudo aquilo, que foi revelado sobejamente durante seis anos, se tornará subalterno ao presuntivo método irregular de investigação.
Tudo muito confuso. Melhor não pensar no Brasil.