O Macedo começou a semana ilustrando o seu programa com músicas italianas, na Gaúcha. Fico sempre na expectativa para saber que tipo de música o Macedo vai rodar – é preciso criatividade para encontrar um tema diferente a cada manhã. Outro dia, ele colocou só canções com grandes solos de sax. Há que se ter conhecimento para fazer uma seleção dessas.
Então, nesta segunda, lá estava eu, ouvindo o Eros Ramazzotti e degustando meus ovos cozidos, quando entrou o repórter Vitor Rosa. Ele estava em frente a uma UPA de Porto Alegre onde os pacientes com sintomas de covid se aglomeravam debaixo de um toldo, à espera de atendimento.
Havia dezenas de pessoas, relatou o Vitor Rosa, mas a maioria não seria atendida, porque não há vagas. Aí ele foi entrevistar uma senhora que ali estava. Maria Teresa Bezerra, o nome dela. É atendente do Zaffari, tem 66 anos e descobriu que contraiu covid há 10 dias, mas agora os sintomas estão mais graves.
Comecei a ouvir a entrevista distraidamente, ainda pensando sobre a música italiana. Porém, à medida que a senhora foi falando, parei o que fazia, aumentei o volume do rádio e prestei atenção. Sua voz estava embargada de emoção e dor. “Eu tô mal”, gemia, “eu tô muito mal... Do que adianta? A gente trabalha, trabalha, pra ser assim escorraçada: ‘Vai embora, vai embora’. Não deixam nem entrar ali pra ser atendida, nada, nada... Meu Deus, é um sentimento de revolta. Eu não aguento mais”.
Essa última frase de Dona Maria Teresa, “eu não aguento mais”, ficou pairando diante de mim o dia inteiro. Vivendo uma idade em que as pessoas, em geral, estão aposentadas, Dona Maria Teresa ainda trabalha como atendente de supermercado e, quando necessitou de socorro médico, não conseguiu. Mandaram-na para casa.
Ou seja: é o desamparo absoluto, o oposto de como deveria funcionar uma sociedade. Porque a sociedade só existe para que o todo proteja o indivíduo. As pessoas, reunidas em comunidade, amparam umas às outras, cuidam umas das outras, de maneira que o mais fraco usufrua das mesmas condições de sobrevivência do mais forte.
Quando uma pessoa sofre e a sociedade não ajuda, a sociedade falha no essencial. Na própria razão de sua existência.
Dona Maria Teresa passou a vida contribuindo para a sociedade. Ela é uma trabalhadora, ela faz a sua parte. Mas está sozinha. Sente dores, sente-se mal, muito mal, e ninguém é capaz de acudi-la, medicá-la ou simplesmente confortá-la. Uma senhora de 66 anos de idade chora em frente a um posto de saúde e proclama, desesperada: “Eu não aguento mais!” E fica tudo por isso mesmo, fica tudo como está. Nós aceitamos, nós tocamos as nossas vidas, e talvez até cantarolemos a música do Eros Ramazzotti durante a manhã. É assim mesmo. Mas não pode ser assim. Porque é um fracasso. O nosso fracasso. A nossa vergonha.