Não poucas mulheres, nas praias brasileiras, douram-se na areia com frases de Nietzsche tatuadas pelo corpo. É a vitória suprema de um homem que foi derrotado na vida. Quando Sansão derrubou os pilares do templo, bradando “morra eu com os filisteus!”, levou com ele três mil inimigos. “Deste modo”, conclui o autor bíblico, “matou pela sua própria morte muito mais homens do que os que matara em toda a sua vida”. Nietzsche é um Sansão da filosofia: morto, conquistou muito mais do que desejou quando vivo.
Mas não é meu filósofo favorito, confesso. É certo que é a aflição que conduz à reflexão, só que Nietzsche era atormentado demais, inseguro demais. Humano, demasiado humano, ele próprio diria. Eu diria: demasiado frágil. Tudo por causa das mulheres, em especial UMA mulher: a bela russa Lou Salomé. A filosofia de Nietzsche seria diferente, se Salomé não o rejeitasse. Provavelmente ele nem perderia tempo filosofando. Sua dedicação seria exclusiva ao amor, aos filhos, ao sustento da família. Mas Salomé o esnobou e aí só o que restou a Nietzsche foi a posteridade.
Talvez, o ser humano possa evoluir, possa se tornar mais compassivo, possa aprender a respeitar mais a vida que o cerca.
A força de Nietzsche, e a razão de seu sucesso contemporâneo, está em suas frases. Megan Fox tatuou uma delas no flanco do torso: “E aqueles que foram vistos dançando foram considerados loucos pelos que não conseguiam ouvir a música”.
Agora, se algum cientista se dedicar a pesquisar qual é a citação preferida das moças para suas tatuagens, aposto que a vencedora será “torna-te quem tu és”. Um bom conselho. Desde os gregos pré-socráticos essa é uma das bases da filosofia. O que diria o velho Nietz, se soubesse que seu pensamento adornaria os corpos sinuosos de mulheres que, se fossem suas contemporâneas, o rechaçariam?
A propósito, já contei aqui a história do meu amigo Luciano Calheiros no tempo em que ele militava em Porto Alegre, décadas atrás. Estava na noite, sentado a uma mesa de bar, tentando impressionar uma beldade que parecia enfatuada. Então, in extremis, na ânsia de encontrar o caminho para o coração da garota, avisou, o dedo em riste: “Agora vou lhe citar Nietzsche!”
Dita em chiada pronúncia carioca, a frase explodiu no bar e se tornou tão célebre entre os amigos gaúchos do Calheiros quanto as próprias sentenças de Nietzsche.
Já eu não me impressiono com citações, nem com o texto de Nietzsche e nem mesmo com seu sistema filosófico. Para mim, seu grande legado é o arremate da sua tragédia: aos 44 anos, o filósofo estava em casa, em frente a uma praça de Turim, quando viu um cavalo sendo açoitado violentamente pelo dono. Saiu correndo para a rua, interrompeu o espancamento aos gritos e abraçou-se ao pescoço do cavalo. Em seguida, caiu em um pranto desesperado e desmaiou. Acordou louco e louco permaneceu por mais 11 anos, até morrer.
Esse episódio fala mais do que todas as frases inteligentes que Nietzsche escreveu durante a vida. Porque mostra a sua extrema sensibilidade em relação à iniquidade. Ao testemunhar uma injustiça e uma crueldade contra um ser inocente, Nietzsche correu para interferir. Mas, mesmo tendo interrompido o mal, sabia que seu socorro seria inútil. Sabia que o cavalo de Turim voltaria a ser seviciado pelo carroceiro e que outros cavalos, outros animais e outros seres humanos se tornariam vítimas da perversidade do homem, em toda parte, em todo tempo. Nietzsche enlouqueceu por não suportar a ideia de que a maldade é invencível.
Mas talvez ele estivesse errado. Talvez, o ser humano possa evoluir, possa se tornar mais compassivo, possa aprender a respeitar mais a vida que o cerca. Tenho visto muitas pessoas rejeitando os extremos e caminhando para a concordância, para a boa convivência e para o bom senso. Tenho a impressão de que a maioria pacífica e silenciosa está crescendo. Isso me dá esperanças. Quem sabe, depois de um tempo tão duro, as pessoas valorizem mais outra frase de Nietzsche, em que ele diz: “Amamos a vida não porque estamos acostumados a viver, mas a amar”.