Meu primeiro livro, “800 Noites de Junho”, sobre o Caso Daudt, eu o escrevi obcecado. Pedi demissão do jornal em que trabalhava para cumprir aquela tarefa e, durante 40 dias, não fiz outra coisa. Entrevistei personagens, revi o julgamento, li processos e jornais antigos, pesquisei, escrevi e reescrevi sem parar. Só pensava no trabalho, só me dedicava ao trabalho, e o concluí nesse prazo que me concedera: 40 dias.
Escrevia na mesa da cozinha, numa Olivetti Lettera 35. Enquanto trabalhava, concentradíssimo, acompanhava-me, ao lado, uma lata de leite condensado. Escrevia, relia, pensava, corrigia e bicava da lata. Quando terminei o livro, estava cinco quilos mais gordo.
Ou seja: gosto de leite condensado. Logo, não posso criticar o apreço do governo federal por esse acepipe. Imagino a quantidade de pudins que são produzidos pelas cozinhas afanosas do Executivo. Pudins à mancheia! E também os “branquinhos” que são servidos às comitivas internacionais em visita ao nosso país. Ah, o branquinho é uma criação da culinária brasileira. Foi, pelo que sei, um contraponto ao “negrinho”, como era chamado o doce brigadeiro antes dos tempos politicamente corretos.
Os diplomatas do Itamaraty, se quiserem entreter os convidados com conversação amena, podem contar, inclusive, como o brigadeiro foi inventado por senhoras da sociedade do Rio de Janeiro na campanha presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes, em 1945. Elas distribuíam os docinhos aos eleitores e pediam, com a típica brejeirice carioca: “Vote no brigadeiro, que é bonito e solteiro”.
Bem, o brigadeiro, ou negrinho, também leva leite condensado. Compreendo, portanto, o gasto de R$ 15 milhões nessa iguaria. É um investimento no prazer e nas boas relações humanas. Agora, R$ 2 milhões em chiclete, aí é mais questionável. Porque chiclete faz mal para a saúde bucal. Os dentistas condenam com veemência o hábito de mascar chiclete.
Bolsonaro justificou o gasto alegando que os soldados do Exército têm “catanho”.
Catanho?
Fui pesquisar. Perguntei para um militar importante, que respondeu o seguinte:
“Catanho é uma ração fria individual que substitui uma refeição qualquer. Não é uma ração operacional, porque perecível, nem há uma padronização. O mais comum são dois sanduíches pequenos, uma fruta, um chocolate ou chiclete e uma garrafa pequena de suco. Às vezes pode incluir um pedaço de carne ou de frango, dependendo da disponibilidade”.
Quis saber qual era a razão da inclusão do chiclete e meu amigo militar explicou que serve para fazer higiene bucal, quando o soldado está em atividade fora do quartel. Um contrassenso, a não ser que o chiclete não contenha açúcar. Espero que o comando do Exército atente para esse detalhe importante: sem açúcar, generais! Ou nossos soldados ficarão com as bocas infestadas de cáries.
Eu mesmo fui vítima de chicletes açucarados. Gostava de mascá-los. Achava que me dava um certo ar rebelde, o James Dean do IAPI, e ainda me adoçava o hálito. De alguma maneira, o chiclete me passava confiança nos tempos instáveis da adolescência. Eu mascava e gingava dentro das minhas calças boca-de-sino, e olhava de lado para as garotas. Até que um dia, numa aula em que a professora falava sobre os ruminantes, virei para o lado e esbarrei no olhar da menina mais bonita do colégio. Ela me fitava com um sorriso debochado e, ao lado dela, outra menina, amiga dela, me observava com expressão idêntica. Percebi que zombavam de mim. Mas por quê? O que fiz? Então, ouvi a professora descrevendo a atividade dos ruminantes, e entendi tudo. As meninas mais espetaculares da escola estavam me comparado a uma vaca! Fiquei vermelho a ponto de me dar um suadouro. Interrompi a mastigação. Rolei o chiclete para baixo da língua e lá ele ficou, até que pude tirá-lo da boca e jogá-lo no lixo. Foi o fim do meu hábito de mascar chicletes, para alívio do meu dentista. Para você ver como a beleza da mulher pode até fazer bem à saúde.