O século 20, tão difamado, foi muito melhor do que o 21. Claro que não o século inteiro, aconteceram coisas bem ruins naquele tempo, como as duas guerras mais assassinas da História. Mas alguns historiadores, como Eric Hobsbawm, falam do “breve século 20”, que teria durado apenas entre o começo da I Guerra, 1914, à queda do Muro de Berlim, 1989. Essa foi a parte feia. Os outros nacos de tempo, cada um numa ponta, pertencem a nimbos que acabaram sendo, exatamente, as épocas mais agradáveis para se estar vivo.
Talvez pudéssemos recuar um pouco, em relação ao fim do século 20. Diria que as duas últimas décadas, 80 e 90, foram muito melhores que as duas primeiras do novo milênio, os anos 10 e 20.
Você dirá que nos anos 80 surgiu a aids. Realmente, foi um problema. Mas a AIDS nós sabíamos como se pegava. Bastava usar camisinha e, pronto, estava tudo bem. Esse corona, não. O corona você pode contrair ao receber no portão uma caixa de pizza pepperoni.
Mas o que realmente fez o século 21 ficar tão chato foi a internet. Em particular, as redes sociais. Você conhece mais a alma das pessoas, graças às redes sociais, e isso é horrível. Você olha dentro delas e se assusta: credo. Descobrimos, por exemplo, que as pessoas sempre têm algo de ruim a dizer às outras pessoas. É uma assombrosa capacidade de ver o lado negativo de tudo. Não interessa quem você é ou o que você faça, pode ser Jesus Cristo, que algo cínico ou cruel será dito a respeito. Jesus seria crucificado, nas redes. Sei até o que Ele comentaria a propósito disso:
“O mal é o que sai da boca do homem”.
E é mesmo. A maldade das redes diz muito a respeito dos seres humanos que respiram debaixo do sol, hoje em dia. Jesus, inclusive, observaria:
“Cada um julga os outros com sua própria medida”.
Lema irretocável para o Twitter.
Eu, que sou um cara legal, fico chocado com tanto ressentimento que vibra e freme entre nós humanos. Você dirá que estou me autoelogiando, dando uma de bonzinho: “Ah, quer dizer que você é um cara legal!”. Pois sou! Mas essa é uma qualidade que só me garante boa convivência com as pessoas próximas. Todo o resto depende de circunstâncias que estão fora do meu controle.
Assim, quero dizer que, graças a essas circunstâncias, já fui Flamengo. E não o Flamengo de hoje, meio desconfiado; fui o Flamengo do ano passado, sorridente e de queixo erguido. O problema é que às vezes também sou Botafogo. Guardo na memória os tempos de glória, como cantava aquele samba, mas suspeito de que coisas estranhas podem acontecer. Como o gol que o Botafogo levou do Inter, no sábado. Tudo foi despretensioso e mole, era um lance inconsequente, uma falta A FAVOR do Botafogo, no bico da grande área. Todos esperavam um balão para o campo de ataque, já estavam se movimentando, para o outro lado do campo, e Kevin, do Botafogo, decidiu dar um passe lateral para seu colega de defesa. Só que o colega já nem olhava para a bola, ele ia avançando a passo para a intermediária, falando com alguém que estava lá adiante. Desta forma, a bola rolada parou de rolar. Ficou sozinha no gramado. Yuri Alberto, o centroavante do Inter, deu uma corridinha em sua direção e, por um momento, hesitou, olhou para os lados, para ter certeza de que aquilo estava acontecendo de verdade. Estava. Ele chutou. Gol.
Foi engraçado e foi triste. Foi ridículo e foi trágico. O Botafogo, clube que tem o distintivo mais bonito do Brasil, que jogava com aqueles elegantes meiões de cor cinza, que montou um ataque com Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagalo, que teve o Time do Bagaço, com Paulo César Caju, Gérson, Zequinha e Jairzinho, o grande Botafogo se apequenou. Será rebaixado e sabe-se lá quando se reerguerá. O Botafogo, na verdade, está perplexo com o século 21, ainda vive nos tempos do Rio intensamente romântico e levemente erótico, das longas pernas de Monique Evans e do largo sorriso de Leila Diniz, da Garota de Ipanema saindo dourada e salgada do oceano, da Bossa Nova embalando as noites de uísque em Copacabana, do Canal 100 filmando o torcedor banguela no Maracanã. O Botafogo sofre. O Botafogo sente saudades.