Outro dia uma amiga veio me contar que foi a um pai-de-santo para saber do futuro e pedir aconselhamento, talvez até algum encantamento. Fiquei animado.
- Ele disse alguma coisa de mim? Hein? Disse? Disse?
Ela tergiversou:
- Não diretamente, mas...
- Como assim, “não diretamente”? Tu não perguntaste nada sobre mim???
Fiquei decepcionado com minha amiga. Sempre que alguém que conheço vai a um pai-de-santo ou a uma cartomante ou a qualquer outro tipo de vidente, fico atento para saber se algo foi dito a meu respeito.
Eu, em pessoa, levado por minhas próprias pernas, não iria a um desses profetas – sentiria vergonha, porque a imagem que faço de mim mesmo é a de um ser um homem que se guia estritamente pela razão. Cerebral, entende? É isso que acho que sou: um homem cerebral. Como diria Belchior: sei que nada é divino, nada é maravilhoso, nada é sagrado, nada é misterioso.
Exatamente!
Só que volta e meia constato, com melancolia, que não sou tão cerebral assim. Que crenças e superstições se insinuam na minha alma e me fazem ficar aflito ou ansioso ou até alegre, se o vaticínio ou o presságio forem bons. “Ela disse que sou um príncipe? Sério?”
Felizmente, muitas mulheres não sentem vergonha de ir a cartomantes. Quando elas se separam ou estão enfrentando algum outro problema na vida, não poucas buscam a ajuda de videntes. O que mais gosto é quando uma amiga relata que foi a uma cartomante famosíssima, que muitas pessoas conhecidas consultam, uma cartomante tão boa que é preciso marcar hora com ela e leva um mês para abrir vaga. Ela vê tudo, essa cartomante, ela acerta sempre. Sempre! Inclusive, quando a minha amiga foi lá, a cartomante, de cara, antes que minha amiga sequer abrisse a boca, observou:
- Tu perdeste uma pessoa muito querida há pouco tempo... Uma pessoa da família...
- Meu avozinho, David! Ela estava falando do meu avozinho!
Sinto reverente respeito pelas cartomantes infalíveis. Então, fico na expectativa:
- E de mim? Ela falou algo de mim???
Como gostaria de ter coragem de consultar uma cartomante infalível. Mas não tenho, sou um pusilânime. A única vez em que estive cara a cara com um vidente do gênero foi quando trabalhava no Diário Catarinense, nos anos 80. Um médium fazia trepidante sucesso em Maracajá, no extremo Sul. Em frente à sua casa, pequenas multidões se reuniam em busca da cura de algum mal ou, simplesmente, de paz. Era boa pauta. Fomos lá, conferir a história, eu, o fotógrafo Ezequiel do Passos e o motorista Salézio Vasconcelos. Passamos o dia no lugar, acompanhamos cirurgias espirituais e consultas, entrevistamos as pessoas. Por fim, interpelamos o médium. Ele deitou falação. Discorria acerca de seus poderes mentais, das façanhas que era capaz de cometer e tal. Em meio à conversa, olhou bem para mim e falou, com voz grave:
- Vejo que você é um espírito cético. Você não acredita... - estremeci. - Vejo, também, no brilho dos seus olhos, que você vai longe... Mas, atenção: você deve acreditar... Você deve acreditar...
Saímos de lá impressionados, eu, o Ezequiel e o Salézio. Aboletado no banco traseiro do carro, eu repetia, imitando a voz do homem: “Você deve acreditar... Deve acreditar...”
Bem. Não é do meu feitio. Sou um cerebral, você sabe. Um cerebral. O problema é que, às vezes, quando me distraio, até acredito. É verdade. Mas não conte para ninguém.