Queria ser argentino, numa hora dessas. Queria poder sentir a emoção da morte de Maradona como só um argentino sabe sentir. O argentino com sua passionalidade típica do latino, o argentino do tango, do drama, da aspereza poética da língua espanhola.
Queria ter autoridade para chorar como chorou o repórter Adrian Santagada, da Rádio Melody, de Lanus, em depoimento à Gaúcha, no meio da tarde desta quarta-feira (25). Adrian falava da grandeza de Maradona e, no encerramento da entrevista, lembrou do segundo gol marcado pela Argentina contra a Inglaterra na Copa de 1986.
Naquele tempo, os argentinos ainda se ressentiam da derrota na Guerra das Malvinas, em que foram massacrados pelos britânicos. Os próprios soldados ingleses, profissionais, veteranos, bem treinados e bem armados, se escandalizaram quando viram o inimigo.
— Eles eram meninos — lamentou um soldado inglês depois de um combate.
— Nós matamos meninos...
Foi isso que Adrian recordou, aos prantos, ao falar para a Gaúcha:
— Aquele gol de 1986... Quando ele dribla cinco ingleses e sai correndo... correndo com a mão levantada, mostrando aos ingleses que seguíamos vivos depois que eles haviam matado nossos meninos nas Malvinas. Porque havíamos mandado meninos para as Malvinas e eles nos mataram a todos. Maradona, com esse gol, no México, ele levantou a mão e gritou "estamos vivos, carajo! Estamos vivos! Ganhamos o Mundial mostrando que Deus existe e que estávamos vivos!"
As frases de Adrian saíam entrecortadas pelos soluços, tão emocionado ele estava, tão argentino ele é. Ao ouvi-lo, pensei que queria ser assim argentino para expressar a dor da perda de Maradona. Porque Maradona merece. É um desses personagens que, por ser gigante, torna maior a atividade que exerce. Maradona elevou o futebol. Não apenas por ter sido um dos maiores craques da história, mas porque fez o que fez com paixão. Havia amor e entrega em cada movimento de Maradona dentro de campo. E, fora de campo, também. Maradona foi, em tudo, um apaixonado. Um exagerado. Jogou futebol demais, bebeu demais, usou drogas demais, amou demais.
Os excessos de Maradona o tornaram imenso. Mas também o mataram. Maradona, o homem, não existe mais. Restou o deus. O deus será cultuado para sempre. A perda do homem está sendo lamentada agora. O mundo todo chora a partida de Maradona. Mas nenhum outro país alcançará a majestade das lágrimas que ora se derramam pela Argentina. Como queria ser argentino, para saber prantear como deve ser pranteada a morte do grande Maradona.