Nestes tempos pandêmicos, é importante prestar atenção à saúde. Por isso, muito tenho pensado no vinho e na lentilha. É que me disseram que, se comer lentilha todos os dias, durante um mês inteiro, sem falhar, coisas maravilhosas vão acontecer com o meu corpo. Quais maravilhas, exatamente, não sei, parece que tem a ver com o lítio, algo do gênero. Lentilha tem lítio? Seja. O importante é formar a corrente com trinta elos indissolúveis de lentilha para obter os benefícios.
Comer lentilha por todo um mês é definitivamente melhor do que tomar água morna todos os dias. Uma época eu tomava água morna todos os dias. Por causa dos chineses. Lá na China, na Olimpíada de 2008, chineses me garantiram que beber água morna todas as manhãs é ótimo. Perguntei por que, e um chinês respondeu com uma parábola bem ao estilo oriental: “O barco só navega quando tem água para navegar”.
Achei aquilo misterioso e, de toda maneira, muito sábio – você sabe como os chineses são sábios. Então, passei a tomar água morna de manhã. Era um pouco repugnante, confesso, mas tinha a impressão de que toda aquela água morna estava limpando meu corpo, e continuei tomando. Aí um dia alguém observou: “A água morna tem de ser ingerida com o sumo de meio limão, ou é inútil. A combinação da água morna com o limão é que faz a diferença”.
Assim, tive uma temporada de água morna com o sumo de meio limão a cada manhã. Até que a Marcinha veio me falar que o irmão dela, o Guilherme, desdenhou da água morna com o sumo de meio limão a cada manhã. “Isso não adianta PARA NADA”, teria criticado o Guilherme, com ênfase debochada no “para nada”. Essa observação me abalou. Porque o Guilherme é um cara bastante atento às questões da saúde. Ele mede o seu nível de ácido úrico e pedala usando aquelas roupas colantes. O Guilherme não bebe água, ele se hidrata. O Guilherme não come carne, ele ingere proteína. Portanto, havia razões para me perturbar com seu desprezo pela água morna com o sumo de meio limão a cada manhã. Nunca mais tomei.
Porém, sem água morna e sem limão, sentia como se estivesse negligenciando minha saúde. Tinha de fazer algo diferente. Ouvi diversas opiniões e fiz uma triagem. Sumo de beterraba? Não tomarei. Bicarbonato de sódio? De jeito nenhum. Maçãs entre as refeições? Estou fora. Foi aí que cheguei à lentilha diária por um mês inteiro e uma taça de vinho por noite. A qual das medidas devo aderir? Comecei com o vinho. Tenho bebido até mais de uma taça, por garantia. Está me fazendo tão bem que não pararei nem se for censurado pelo Guilherme. No máximo, acrescento a lentilha. Tudo por uma boa saúde.
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A DOR DA TIA DALILA
O leitor Tito Becon mandou um e-mail muito bem escrito, tão bem escrito que decidi partilhar com os leitores. É sobre questões de saúde, o tema desta coluna. Eis:
“Caro David! Como sempre, tua crônica me faz começar o jornal por lá. Eu e minha mulher, com direito a debate sobre a tese do dia. Falar sobre a dor aumenta a dor? Minha tia havia levantado aquele dia com muita dor. A cabeça do fêmur havia se espalhado durante a noite, à sorrelfa, maneira davidiana, por todo o corpo. Buscou as bengalas, mal conseguiu lavar o rosto e vestir-se e chamou pelo marido para levá-la ao médico. Cadê o marido? Nunca estão por perto quando se necessita. Quando estão por perto é para estorvar...Mas era tanta dor, tanto desconforto que resolver vencer as três quadras até o consultório médico a pé. E lá se foi com suas bengalas e seu comprimento aos transeuntes, transtornada pela dor. "Como vai dona Dalila, tudo bem?". "Me arrastando! Estou indo lá no Dr. Miguel." "Melhoras para a senhora!" E lá se ia ela vencendo mais uma quadra quando defrontou-se com a esquina da Geni. "Nem imaginas, Dalila, o quanto passei mal à noite." "Pois eu, Geni..." E a Geni interrompeu para fazer circunstanciada narrativa dos seus males. Após longos minutos ininterruptos, deu uma paradinha para pegar um ar. Minha tia aproveitou para contar sua desventurosa noite. "Estou me arrastando para ir lá..." Não conseguiu terminar. "Dalila, o pior não são as dores. É o abafume do peito. O coração falhando, a tontura por falta de sangue no cérebro. E tu Dalila, onde estás indo?" "Para casa, Geni! Estou tão sadia, tão sadia..." Deu meia volta, pronta para ter um bom dia. Tudo na vida é relativo. Até as mazelas...”