Sinto cada vez mais simpatia por essa história de “novo normal”. Na última semana mesmo, enquanto escrevia minha crônica, bem no meio da tarde, me deu uma vontade irrefreável de beber um vinho. Foi uma vontade tão irrefreável, que não a refreei. Abri uma garrafa de malbec, servi-me de um cálice e voltei a escrever, levando, junto com a garrafa, um meio sorriso. A Marcinha veio de lá e postou-se na minha frente com as mãos na cintura, como se fosse um bule:
“Vinho no meio da tarde, David???”.
Dei de ombros:
“Esse é o novo normal”.
Ela ficou piscando, sem saber o que dizer.
Estou muito feliz. O “novo normal” é um conceito que nos abre muitas possibilidades. Posso usar o meu moletom do Mickey quando entrevistar um ministro do Supremo, por exemplo. Se o Potter vier me criticar, rebato:
“Não enche. Esse é o novo normal”.
Quando preparar a minha deliciosa massa com sardinha e pessoas com paladares exigentes, como Admar Barreto, vierem me criticar, explicarei, com certo fastio:
“Meu caro, essa é a culinária do novo normal”.
O novo normal no futebol será o antigo normal: os jogadores deixarão de ser profissionais. Serão todos amadores, como nós, nos tempos do Alim Pedro. Eles trabalharão em outros lugares e jogarão bola nas horas de folga. Qual será a paga para que vistam as camisas do Grêmio e do Inter? A glória, apenas a glória. Precisa mais?
Os políticos também viverão esse novo normal. Nada de salário para eles. Se quiserem prestar serviços à pátria, que seja por amor, não por interesse. Eles continuarão com suas profissões e uma ou duas vezes por semana irão ao parlamento para discutir algum projeto. E, neste caso, da frequência ao parlamento, o novo normal deles nem trará grandes mudanças, eles que não reclamem.
Nós poderíamos fazer umas alterações no esquema de fim de semana, no novo normal. Porque é muito desgastante ter de trabalhar até a noitinha de sexta-feira para retornar nos albores da manhã de segunda. Vamos tornar isso mais humano: o trabalho terminará ao meio-dia de sexta e recomeçará ao meio-dia de segunda. Pensando bem, depois do almoço de segunda.
No novo normal, nós voltaremos a tomar café da tarde.
No novo normal, salada com fruta, só salada de fruta.
No novo normal, as rádios não poderão tocar funk ou rap ou música sertaneja.
No novo normal, não pode canal de TV de igreja.
As mulheres têm que entender que, no novo normal, os homens precisarão de mais tempo só com os amigos – eles (nós), homens, se estressaram muito com o confinamento da pandemia, agora têm de relaxar contando algumas piadas e falando amenidades.
Amenidades! Esse será o grande tema do novo normal. Nada de política partidária, nada de comunistas versus fascistas, nada de ideologias, de julgamentos comportamentais, nada de patrulhas morais, nada de bullying ou de opressão. Seremos amenos, no novo normal. Vamos nos ocupar, sobretudo, das coisas boas. Vamos rir da vida. E de nós mesmos. Não nos levaremos a sério, no novo normal. Mas continuaremos bebendo chopes cremosos, dourados e gelados, continuaremos rindo com os amigos, continuaremos aproveitando a vida, que nem tudo tem de ser novo no novo normal.