O Ivan Pinheiro Machado, que é editor e livreiro de lustro e renome, me disse que a literatura está voltando. Segundo ele, as pessoas estão novamente interessadas por histórias de ficção, inclusive pelo romance, esse gênero que tanto fausto experimentou no século 19, mas que foi minguando pelo 20 adentro, até se tornar quase irrelevante no 21.
A percepção do Ivan tem tudo para estar correta. Em momentos de grave crise, em que a realidade é dura, as pessoas procuram refúgio na fantasia ou nas amenidades da arte. “A arte torna a vida suportável”, dizia Nietzsche.
Assim, fico pensando em que literatura o Brasil ofereceria para consolar os aflitos brasileiros de hoje. O que cativaria as novas gerações, essa gente com que nós estamos sempre preocupados? O romance nunca foi exatamente a nossa maior especialidade. Claro, temos bastante de Jorge Amado, algum Erico Verissimo e um ou outro Guimarães Rosa, mas não muito mais do que isso. Machado de Assis, evidentemente, é um portento, mas ele é do tempo do império, é leitura para iniciados.
Neste momento, ao citar Machado, me lembrei de José de Alencar. Tenho certo ressentimento de José de Alencar e aquele seu livro sobre Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha cabelos mais negros do que as asas da graúna. É que, quando me deram Iracema para ler, no colégio, eu tinha, sei lá, uns 12 anos. Detestei. Não muito depois me deram Meu Pé de Laranja-Lima, de José Mauro de Vasconcelos, e detestei também. Por que me vinham com todos aqueles destartes e outrossins?
Só que, mais tarde, ouvi muita gente boa falando bem desses dois livros. Um dia, peguei Meu Pé de Laranja-Lima para dar uma conferida e, olha, até que gostei. Será que deveria dar mais uma chance à virgem dos lábios de mel?
Bem, isso não importa, agora que estamos acossados pelo coronavírus, pelo dólar a R$ 5 e pelas bolsas em palpitação. Provavelmente teremos de passar longo tempo em casa, isolados, protegidos do contágio, lendo e vendo séries, há pelo menos uma dúzia que tenho de ver. Então, retomo a questão: o que há de melhor para ler, entre os autores brasileiros?
Respondo: Rubem Braga.
O velho Braga é o nosso maior gênio. Digo mais: nosso único gênio das letras.
Não por acaso, ele só escreveu crônica na vida. Porque a crônica é um estilo brasileiro por excelência. Não que tenha nascido no Brasil, não, a crônica é como o futebol: surgiu no estrangeiro, mas foi no Brasil que se tornou fagueira e especial. A crônica brasileira é única, como único é o futebol brasileiro. E Rubem Braga é Pelé. Está certo, há outros craques, uns Garrinchas, uns Nelsons Rodrigues, mas Rubem Braga fez mais de mil gols em páginas de jornal.
Seja. O que me intriga é saber o porquê. Por que, para empregar uma expressão de Paulo Francis, somos inexcedíveis na crônica e excedíveis no romance?
Sei a resposta: é porque não gostamos de pensar a longo prazo. Não gostamos de planejar, de antecipar, de prevenir. Deixamos o cadastramento eleitoral para a última hora, calculamos mal a trincheira da Ceará e, o pior, permitimos que 50 mil pessoas se reúnam para um Gre-Nal em tempos de pandemia. Como teríamos paciência para elaborar romances que levam cinco anos para ficar prontos?
Tudo bem, na falta de romances imortais, nos saímos a contento com as crônicas do dia. O problema é que só mesmo criteriosos planejamento e prevenção podem antecipar as artimanhas do vírus e disso, provou-o a realização do Gre-Nal, estamos em falta. Oh, Deus, temo que nem o bálsamo da prosa de Rubem Braga nos salvará.