A Marcinha foi ao supermercado na sexta-feira e um cara espirrou nas costas dela. Sério.
O sujeito ESPIRROU! Quem é mau-caráter a ponto de espirrar numa hora dessas? Hoje em dia, ninguém que tem bom senso espirra. Ninguém espirra, ninguém espirra!
Ela ficou lá, dura na fila do caixa, sentindo o úmido das gotículas venenosas do bandido escorrendo-lhe ombros abaixo, sem saber o que fazer, se saía correndo, se chamava a gerência, se ligava para os bombeiros, se gritava pela polícia. Chegou em casa em pânico:
– O que que eu faço? O QUE QUE EU FAÇO???
Meti-a em um banho de 35 minutos.
Li que a água a 56°C mata o desgranido do vírus. O problema é que a água a 56°C queima a pele humana. Em todo caso, ela usou bastante sabão e tudo mais, talvez até detergente. Saiu imaculada feito uma freira, vermelha de tanto ter se esfregado.
Depois, fiquei pensando na roupa. Qual é mesmo o tempo de sobrevivência do bicho no tecido de pano? Sei que a superfície em que ele se sente melhor é o aço inoxidável. Para mim, essa informação foi uma surpresa e, para dizer a verdade, produziu-me certa decepção com o aço inoxidável, que achava tão asséptico, tão lisinho.
Deveríamos queimar a roupa, como os medievos faziam no tempo da peste negra?
A Marcinha não aprovou essa ideia radical, ela gosta daquela roupa. Assim, deixamos tudo ao ar livre, ventilando, à espera de que o maldito morra de uma vez, intoxicado de puro oxigênio.
Que tempos.
Eu, após todos esses percalços, decidi que nunca mais vou pôr a mão no rosto. Nunca mais. Juro. As últimas 24 horas têm sido um tormento, devido a essa minha deliberação. Meus olhos coçam, minha testa coça, os cantos da boca coçam, não fazia ideia de como o rosto pode coçar. Mas o pior é o nariz. Por que o nariz coça tanto?
Minha irmã Silvia, a simples menção da palavra “barata” faz com que ela sinta violenta coceira no nariz. Quando éramos pequenos, eu ficava repetindo para ela:
– Barata, barata, barata!
E ela coçava o nariz em desespero, implorando:
– Para! Para!
Hoje, não lhe diria “barata”, porque ela coçaria o nariz e assim poderia contrair o nefando.
Será que conseguirei atravessar a existência sem colocar a mão no rosto? Não poderei mais tirar aquelas fotos de escritores. Você sabe como são as fotos de escritores. Estão sempre nas orelhas dos livros: o escritor apoia o queixo na mão e olha para a câmera com olhar de fastio.
O olhar blasé é muito importante para a carreira de um escritor, porque lhe confere superioridade intelectual. O escritor é um sábio, ele conhece as verdades do mundo e se aborrece com a platitude da massa ignara. Sonhava em publicar uma foto dessas em um livro, mas agora não posso mais, agora não encosto a mão no rosto nem que me deem um barril de álcool gel. Pelo menos sei levantar a sobrancelha esquerda. Uma sobrancelha erguida também é sinal de inteligência. A propósito, acabo de levantar a sobrancelha esquerda para treinar para a foto do meu próximo livro e adivinha o que aconteceu: ela está coçando! Oh, como uma sobrancelha esquerda pode coçar tanto? Até quando esse vírus vai nos escravizar?