Eu voltei. E, nesses novos dias da minha velha Porto Alegre, as pessoas me perguntam o que estou achando da cidade, como se fosse um forasteiro que a visse pela primeira vez. Mas a pergunta, de certa forma, faz sentido. Quem passa muito tempo fora de um lugar conhecido surpreende-se, ao retornar, por reparar em coisas que não reparava quando passava por elas todos os dias. Se você está acostumado com a paisagem, você não se detém para contemplá-la; você simplesmente olha.
Pois nesses dias, estimulado pela curiosidade dos amigos, não apenas olhei: parei e, muitas vezes, surpresa!, admirei. Por exemplo, a franja do Guaíba que começa nos armazéns do cais do porto, passa pela torre do Gasômetro e se espreguiça Zona Sul adentro. Vou lhe dizer: é linda. Poucas cidades do mundo têm uma fatia de terra grudada a uma porção d'água tão bonita quanto essa de Porto Alegre. Tínhamos de cuidar dela como se fosse uma filha pequena, e mimá-la, e embelezá-la todos os dias.
Já a Zona Norte, de onde venho, é mais dura e, estremeço ao admitir, quase sempre feia. Mas poderia ser mais bela, e até já foi. O casario germânico do Moinhos de Vento, a Liverpool gaúcha que é o IAPI, os prédios açorianos da Cidade Baixa, o maravilhoso Centro Histórico, temos tanta coisa boa em toda a cidade, mas o que sinto, tristemente, é que nos embrutecemos.
É essa a palavra que buscava, era o que queria dizer aos meus amigos: Porto Alegre se embruteceu.
Até os anos 1980 e parte dos 1990, era mais sofisticada, mais alegre e decididamente mais leve. Mas foi se transformando aos poucos, pressionada pela miséria que a cercava e se imiscuía por suas ruas e praças. Muitas administrações públicas tiveram parcela de culpa nesse processo, mas não foi só isso. O que houve foi o estabelecimento de uma mentalidade que confunde pobre com pobreza.
Vem bem a calhar usar esses termos agora, por causa das polêmicas criadas pelas declarações do ministro da Economia. É espantoso como um homem experiente como Paulo Guedes não entende que a forma do que se fala pode consagrar ou arruinar o conteúdo do que se fala. As imagens que ele emprega para explicar suas ideias são, quase sempre, temerárias. Outro dia, suscitou essa confusão que aflige Porto Alegre. Falou, textualmente, o seguinte:
– O maior inimigo do meio ambiente é a pobreza.
E o Brasil se levantou de indignação, entendendo que o ministro dissera que os maiores inimigos do meio ambiente são os pobres. Ora, pobre é mais do que diferente da pobreza: ele a odeia. Tudo o que ele quer é se livrar dela. O pobre não gostaria de ter de jogar dejetos sem tratamento nos rios, nem de, às vezes, viver em meio ao lixo. Ele só faz assim devido à pobreza que o oprime. Logo, a pobreza, e não o pobre, é responsável, sim, por muito de ruim que ocorre no meio ambiente, no Brasil e também em Porto Alegre. Mas escreverei mais a respeito amanhã, quando apontarei o símbolo do que atormenta Porto Alegre. É algo singelo. Você pode estar sobre ele agora.
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Para marcar a minha volta, meus generosos colegas de GaúchaZH prepararam um caderno especial com crônicas emblemáticas que escrevi no período em que morei nos EUA. Veja em gzh.rs/EspecialDavid
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