Uma vez vi um carro rodando por Porto Alegre com um adesivo no vidro de trás que dizia o seguinte: “Eu amo a minha sogra”. Colaria esse adesivo com entusiasmo no meu carro, se carro tivesse. Porque sinto apreço especial por minha sogra, a querida Ana Maria, que neste mês veio nos visitar, aqui em Boston. Ela é uma pessoa doce, afável, suave, como todas as pessoas deveriam ser para o mundo ser como deveria ser.
Exatamente para tentar agradar-lhe, levei-a, junto com minha mulher, a Marcinha, e meu filho, Bernardo, a um restaurante de que gosto muito, no Little Italy. Chama-se Trattoria Il Panino e serve um paccheri al ragu que você come aos soluços, de tão bom.
Pois lá estávamos nós, sorvendo um tinto denso, quando aquela loirinha entrou. Eu estava de frente para a porta, por isso a vi antes. Andava em cima de botas pretas de saltos altos, o que já demonstrava de onde vinha. Ou, pelo menos, de onde não vinha, porque americanas raiz, do interior de New England, não usam saltos altos. Ela deveria ser das áreas centrais de Boston, como a Back Bay ou a Beacon Hill, onde as vitrines reluzem e a vaidade freme.
A linguagem corporal não deixava dúvida: tratava-se do primeiro encontro.
Já estamos singrando o outono, as temperaturas baixam a cada dia, mas a pele da loirinha era dourada como trigo maduro, como se tivesse sido untada pelo sol da Califórnia ou, quem sabe, do Hawaii de Obama. Seu corpo era esguio feito o de uma gueparda. Seu cabelo, uma catadupa homogênea que desaguava suavemente nos ombros. Ela veio sorrindo um sorriso coruscante em direção à mesa ao lado da nossa. Fiquei olhando, enquanto o rapaz que a aguardava se erguia de um salto e a saudava com um beijo no rosto. Sentaram-se os dois na ponta de suas cadeiras e se inclinaram um em direção ao outro. A linguagem corporal não deixava dúvida: tratava-se do primeiro encontro.
Percebi que a Marcinha também observava o casal. Não havia como não observar. Eles estavam muito perto e chamavam a atenção. A loirinha fez uma pergunta tipicamente americana:
– Como foi o seu dia?
Ele sorriu e pediu uma garrafa de vinho.
A Marcinha, então, virou-se para mim e disse:
– Esse guri é mais bonito do que o Brad Pitt.
Espantei-me com a súbita e positiva avaliação. Nem tinha reparado no rapaz, para falar a verdade. É agradável olhar para pessoas atraentes, como é agradável admirar uma tela impressionista de Renoir, os arco-íris das Cataratas do Iguaçu ou um grande leão que caça na savana da África. A beleza faz bem para o espírito. Não acho, portanto, que considerar uma pessoa atraente significa se sentir atraído por ela. Além disso, não sou ciumento. Mas a Marcinha não parava de repetir:
– Nossa, mas ele é bonito mesmo. Muito bonito. Bonito, bonito.
Estiquei o pescoço e olhei para o cara. Ele estava de lado. Assim, de perfil, não parecia tããão bonito. Não era, definitivamente, um perfil grego ou coisa que o valha. Mas ela continuava:
– Bem bonito…
Protestei, meio de brincadeira:
– Precisa manifestar tanto entusiasmo?
Ela riu. Parou de elogiar o sujeito, mas não de prestar atenção ao casal. Ia narrando a evolução dos acontecimentos na mesa ao lado:
– Agora eles estão falando da faculdade. Agora ele disse que não é daqui. Deve ser do Meio-Oeste. Tem todo o jeito de ser do Meio-Oeste.
Então, meu filho, que estava sentado diante de mim, quis saber:
– Do que é que a mamãe está falando.
– Daquele cara ali – indiquei com a cabeça.
E o meu filho:
– Ele é bonito?
Ao que a minha sogra, que até aquele momento parecia distraída, acrescentou, com vibrante empolgação na voz:
– Nossa, se é!
Depois daquilo, levantei o braço. Pedi a conta. Ouvir a mulher elogiando outro, tudo bem. Mas ver todo aquele arrebatamento da sogra, bem, aí foi demais.