Dos artistas brasileiros, o que mais me toca é Belchior. E é precisamente essa a função da arte, ela tem de fazer vibrar uma corda na alma de quem a usufrui. Belchior, com sua rebeldia e sua fragilidade, com sua bondade silenciosa e sua gritante ânsia por liberdade, Belchior fala comigo. Em vários momentos da vida, frases das músicas dele me são de bom valor.
Isso se deu há pouco, neste fim de semana, quando nasceu João, filho dos meus amigos Cris e Rodrigo. A Cris, além de arquiteta e instagrammer, é prima-irmã da Marcinha e morou aqui, conosco, por algum tempo. Nos demos muito bem, foram meses de alegre convivência. Por isso, estávamos felizes com a chegada do primeiro filho dela. Portanto, é claro que lembrei de uma das grandes composições de Belchior e é claro que mandei para ela e é claro que ela chorou de emoção. Que mãe não choraria?
Nessa composição, Comentários a Respeito de John, Belchior assentou um verso tão belo quanto enigmático: “A felicidade é uma arma quente”.
Ora, uma arma quente é uma arma que acabou de disparar. Por que algo do gênero seria sinônimo de felicidade? Afinal, uma arma, intrinsecamente, é uma coisa ruim, porque serve para ferir outros seres vivos. Assim, alguém sentir-se feliz porque atirou é, no mínimo, um contrassenso.
Quando ouvi este som pela primeira vez, há tempo, muito tempo, fiquei intrigado e tentei compreender o que Belchior queria dizer. Descobri que o John sobre quem ele tecia comentários era o Lennon e procurei a música de que falava Belchior. Encontrei: Happiness is a Warm Gun. Não é das melhores dos Beatles. Para falar a verdade, é fraca. Mas dá uma pista acerca da arma a que se referia John Lennon, no momento em que ele diz estar com o corpo da amada nas mãos e com o dedo “no gatilho” dela. Lennon, seu safado.
A música de Belchior é mais bonita do que a dos Beatles, e a maneira como ele usa a imagem da arma é mais poética e mais profunda do que a de Lennon. Belchior nos arrasta para outras camadas e nos faz tecer outras interpretações.
Vou contar qual é a minha.
Uma pessoa feliz é gentil com as outras, que, assim, são gentis com ela, o que lhe aumenta a felicidade.
Sempre ouvia essa música no carro, quando estava em Porto Alegre. Um dia, rodava pelas imediações do Iguatemi com meu filho no banco de trás, empoleirado na cadeirinha. Ele era pequeno, tinha menos de dois anos de idade. Belchior cantava pelo alto-falante:
“João, o tempo andou mexendo com a gente, sim!
John, eu não esqueço:”
Aí o meu filho completou, com aquela sua vozinha de nenê:
– A felicidade é uma arma queeeenteeeee!
Ri muito ao ouvi-lo e aproveitei a oportunidade. Desde aquele dia, repito para ele que a felicidade é uma arma quente porque ela nos protege das vicissitudes da vida. Quando você ri, quando você está alegre, quando você encara os dias de uma forma positiva, as pessoas sentem a sua felicidade, se abrem para você e tudo se torna mais fácil. Uma pessoa feliz é gentil com as outras, que, assim, são gentis com ela, o que lhe aumenta a felicidade.
É o que me fala a canção de Belchior. É o que falo para meu filho. E é o que queria falar para todos, inclusive para os bem pequenos, como João, que veio ao mundo ainda agora, dias atrás. Então, lhes digo, Joões e Marias, Benjamins e Rafaelas, gostaria que vocês soubessem que, se vocês usarem a felicidade como arma, o mundo será bem melhor.