Jair Bolsonaro fez um discurso importante na ONU. Preste atenção ao adjetivo que empreguei: "importante". Não disse que gostei do que ele falou, nem que não gostei. Isso direi em seguida. Por enquanto, repito e destaco: foi importante. Tanto que preciso interromper a sequência de crônicas que vinha escrevendo desde segunda-feira (23). Agora, devo me ater ao que Bolsonaro falou da tribuna, em Nova York.
Em primeiro lugar, ele surpreendeu porque falou BEM — ainda me ocupo da forma, não do conteúdo. O discurso de Bolsonaro teve coerência e força suficientes para capturar 100% da atenção de quem o ouvia. Ele conseguiu até corrigir grande parte de seus defeitos de dicção, escandindo as sílabas das palavras de pronúncia mais complexa, como "compromisso intransigente".
Usei, no parágrafo acima, a palavra "força". Ela resume o conteúdo da fala de Bolsonaro. Ele foi contundente do princípio ao fim. Começou alarmante, com um tom de enfrentamento ideológico juvenil. Ali estava toda a lenga-lenga que alimenta as redes sociais: Venezuela, socialismo, médicos cubanos, governos do PT. Era como se o presidente do Brasil estivesse em meio à discussão de um grupo de WhatsApp.
Mas, na sequência, Bolsonaro entrou no assunto que hoje mobiliza o planeta: a questão da Amazônia. Aí, ele foi bem. Trouxe dados sobre o tamanho das reservas indígenas e de aproveitamento de terras para a agricultura, garantiu que o governo trabalha em favor da preservação e se posicionou com firmeza contra qualquer ameaça de intervenção estrangeira no Brasil. Como ilustração e apoio, trouxe uma índia, que filmava a sessão com um celular, e uma carta assinada por lideranças indígenas que ele leu da tribuna. Bolsonaro cresceu nesse momento, estava se comportando com a grandeza de um chefe de Estado, até dar espaço para seus ressentimentos e sentenciar:
Há o que elogiar e o que criticar. De qualquer forma, Bolsonaro atingiu seu objetivo: o que falou foi ouvido e será debatido por bastante tempo.
— Acabou o monopólio do senhor Raoni!
O que é que o cacique Raoni estava fazendo no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU? Eis algo que só Bolsonaro pode responder, porque foi ele que o colocou lá.
Outro personagem citado nominalmente foi Sergio Moro, também com certo exagero, porque Bolsonaro o elevou quase que à condição de único responsável pelo combate à corrupção no país. A partir desse ponto, houve inesperados trechos de bom senso, amparados em fatos como a diminuição de 20% no número de homicídios no Brasil. Mas, ao chegar perto do encerramento, o delírio ideológico retornou com vigor. Lá estava, outra vez, a peroração cansativa das redes sociais e da campanha eleitoral:
— A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula-mater de qualquer sociedade saudável: a família. Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica.
Não precisava.
Sei que, neste momento, todos os que gostam de Bolsonaro estão elogiando o discurso e todos os que não gostam estão criticando. Os dois lados estão certos: há o que elogiar e o que criticar. De qualquer forma, Bolsonaro atingiu seu objetivo: o que falou foi ouvido e será debatido por bastante tempo. Certamente não lhe renderá novas alianças, porque ele não deu espaços à negociação. Mas, pelo menos, Bolsonaro deixou bem exposto e definido o que pensa e no que acredita. E quem realmente ele é.