O Ibsen Pinheiro é um exímio frasista. Um dos nossos maiores, senão o maior. O estilo dele é o de que se valia ninguém menos do que Winston Churchill: o uso de conceitos opostos para demonstrar uma mesma ideia. A aparente contradição produz surpresa e riso e faz com que o ouvinte não se esqueça mais do sentido pretendido. Churchill, por exemplo, dizia:
“A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição de riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição de misérias”.
Ibsen cunhou várias frases com idêntica malemolência inzoneira britânica, algumas delas no âmbito do futebol. Tanto quanto Churchill foi arauto do capitalismo, Ibsen foi arauto do futebol de marcação forte. Segundo ele, time que joga fechado “ganha por sorte” e time que joga aberto “perde por azar”.
É exatamente o que acontece. Time que não deixa o adversário jogar de repente vai lá e, em um único lance, marca o gol da vitória, o que parece fortuito. Já o time que joga e deixa jogar às vezes desperdiça um punhado de chances e acaba perdendo em uma bola parada ou num contra-ataque, o que parece injusto.
É por isso que um time, para ser de fato equilibrado e não dar oportunidades para a falta de sorte ou de justiça, precisa tomar cuidado com certas funções, como a de proteção à defesa. Lembro da Copa de 1982, quando o Brasil tinha aquela superseleção. O meio-campo era formado apenas por brilhaturas: Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Eles jogavam tanto, que não corriam, flutuavam. Ibsen, então, defendia que um deles fosse substituído por Batista, para dar uma cobertura mais sisuda aos zagueiros. Mas qual dos artistas da bola deveria sair? Ibsen respondeu à pergunta com outra de suas sentenças graciosas:
– Eu tiraria o pior deles. Mas, se não quiserem tirar o pior, tirem o melhor.
Quer dizer: aquela tarefa defensiva era tão importante, que até o craque do time poderia ser sacrificado para que fosse cumprida.
Nessa segunda-feira, na Arena do Grêmio, recordei dessas duas tiradas de Ibsen. Porque o Grêmio está sofrendo, precisamente, do mal que vitimou a Seleção de 1982 e tantos outros grandes, bons e abertos times do mundo inteiro: falta, naquele conjunto de virtuoses, o velho e cumpridor centromédio.
O Grêmio necessita de um pastor alemão acorrentado à meia-lua defensiva.
Verdade que aquela partida aparentemente desimportante trouxe dois alentos para a torcida: Tardelli e Luan. Os dois, não apenas pelo que jogaram, mas pelo interesse que demonstraram, têm de compor o time titular agora, já, sem demoras ou delongas. Mas, além deles, o Grêmio necessita de um pastor alemão acorrentado à meia-lua defensiva. O ideal seria Michel, que ainda está em recuperação. Na falta dele, pode ser até Darlan, que não é o que Foguinho chamava de “homem grande”, mas é do lugar e sabe jogar. Ou então um improviso, como um terceiro zagueiro entre Kannemann e Geromel, até porque Kannemann anda meio distraído e Geromel meio afobado.
Os breves meses em que o time teve Arthur e Maicon fazendo uma volância bailarina, no ano passado, iludiram o povo, como fazem certos populistas. Esse meio-campo leve e volátil não ganhou nada. Os títulos vieram sob a guarda atenta de um casmurro Jaílson ou de um Wallace tão enérgico, que, com três passadas, atravessava a grande área. Mais o auxílio luxuoso de Ramiro, não esqueçamos.
Volte ao passado, Renato. Socorra-se de um centeralfe. Antes que tudo desande melancolicamente em derrotas injustas, em lamentos por zagueiros desatentos, em gols levados por azar.