Outro dia citei uma passagem do Gênesis que explica um pouco dos nossos padecimentos do século XXI. Nada a ver com religião, e sim com conceitos que forjam a vida prática. É uma parte da história de Noé. Gosto desse trecho da Bíblia, porque é meio misterioso. Há um pedaço que diz assim:
“Aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, viram, os filhos de Deus, que as filhas dos homens eram formosas e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Então disse o Senhor: ‘Não permanecerá o meu Espírito para sempre com o homem, porque ele também é carne, e a duração da sua vida será somente de 120 anos’”.
Isso significa que havia dois tipos de criaturas humanas: os homens e os filhos de Deus. Quem seriam esses filhos de Deus? Se você for mais adiante no Gênesis, vai descobrir: eram os “Nefilins”, que algumas traduções da Bíblia chamam de “gigantes”. Os Nefilins eram os anjos decaídos, soldados do primeiro anjo banido, Lúcifer. Ou seja: eram demônios! E eles se relacionaram e tiveram filhos com as filhas dos homens. Você percebeu a gravidade disso? Deus percebeu: “Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe o seu coração. E disse o Senhor: ‘Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até a ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito’”.
Foi por isso que sobreveio o Dilúvio.
Entenda: muitas histórias da Bíblia são parábolas, contadas para exercer um efeito moral no povo. O que interessa, portanto, é o que o Gênesis pretende ensinar. E a lição vem depois de passado o Dilúvio, quando Deus abençoou Noé e seus três filhos e deu-lhes uma ordem, que é o naco de texto que reproduzi. Deus disse assim:
“Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra. Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues em mão. Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde.”
Às vezes, a melhor forma de usufruir da natureza é deixá-la como está.
Eis o centro filosófico da história. O homem é dono de tudo: da “erva verde” e dos animais. Essa ideia sempre moveu o ser humano, ele sempre manipulou a natureza para viver com mais conforto. Em alguns casos, criou grandes coisas; em outros, destruiu grandes coisas. A Civilização, afinal, é o controle da natureza, seja a dos nossos instintos, seja a que nos cerca. Mas, com a experiência, o homem aprendeu que a natureza é um sistema integrado: o que é feito aqui pode produzir efeitos acolá. Essa nova sabedoria fez o homem compreender que, às vezes, a melhor forma de usufruir da natureza é deixá-la como está.
Estou falando, obviamente, da Amazônia.
A Amazônia vale muito mais de pé do que derrubada. Não apenas por ser o “pulmão verde” do planeta, mas por possuir riquezas naturais que podem ser exploradas sem que haja devastação. A Amazônia é dotada de um bioma riquíssimo e do maior acervo hídrico do mundo, pode ser a sede da nova ciência do planeta, da nova química, da nova biologia, da nova medicina, e render trilhões de dólares para o Brasil, tudo isso preservando a natureza.
Nefilins de dentro e de fora do país rondam a Amazônia. Temos de protegê-la com inteligência, não com brutalidade. Antes que a ira do Senhor caia sobre nós.