Quando Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça, não o fez por crença ideológica, por partidarismo ou por ser bolsonarista. Ele mal conhecia Bolsonaro, prova-o um encontro que tiveram no aeroporto de Brasília, antes da campanha eleitoral. Bolsonaro, todo feliz, aproxima-se de Moro e o cumprimenta batendo continência. A celebridade, então, era Moro. Bolsonaro, o fã arfante. Moro olha, não o reconhece e vai embora.
Não, não foram motivações políticas que fizeram Moro ir para o ministério.
Foi a sua crença de que ele é um campeão da luta contra a corrupção.
Moro viu tudo o que era feito no Brasil, divisou com clareza cada compartimento do complexo sistema que, há séculos, funciona baseado na promiscuidade existente entre poder público e grandes empreiteiros, e acreditou que poderia desmontar essa estrutura. Para ele, era uma missão de vida.
Essa mesma lógica está engastada na troca de mensagens entre Moro e agentes do Ministério Público, revelada agora por uma reportagem do site Intercept. Na ânsia de derrotar a corrupção, Moro extrapolou suas funções de juiz. É como o policial de filme americano, que, para deter o criminoso, espanca um informante ou invade uma residência sem permissão legal. Ou seja: para fazer cumprir a lei, ele infringe a lei.
Todos nós, inclusive os petistas mais acerbos, sabemos que os governos do PT foram corruptos. Os petistas alegam que os governos anteriores também eram, e é verdade. A diferença é que o PT, por ser um partido mais orgânico, tornou orgânica também a corrupção. Sob o PT, a corrupção não servia apenas como meio de enriquecimento, servia como instrumento de manutenção de poder.
Tudo isso sabemos. Nada disso será atenuado pela revelação das conversas entre Moro e Dallagnol. Mas isso tampouco reduz a gravidade das conversas.
No Brasil, o Ministério Público não faz parte da Justiça. O Ministério Público é independente. O sentido dessa separação é óbvio: quem investiga e acusa não pode julgar. O julgador tem de ser imparcial.
A função da Justiça é, exatamente, dirimir conflitos.
Você e outra pessoa têm uma pendência. Se não entram em acordo, a Justiça é acionada para decidir quem está com a razão. Nessa empreitada, cada parte constitui o seu representante legal. Imagine se você descobre que o juiz está aconselhando o advogado do seu oponente?
Foi o que Moro fez, aparentemente.
No caso da Lava-Jato, estava implícito que havia sintonia entre Ministério Público e Justiça, porque estava explícito que o juiz se convencera de que crimes tinham sido cometidos. Como não se convenceria? Quem não se convenceria? Mas a questão não é o convencimento, a questão é a colaboração. O juiz pode estar convencido, o juiz pode até torcer para que um criminoso seja detido, mas não pode colaborar com o advogado que acusa o criminoso.
Outro ponto: ninguém se ilude de achar que juízes, promotores e advogados não conversam sobre processos. É claro que conversam. Mas uma conversa registrada por escrito não é uma conversa, é um documento.
Esse movimento pouco ético de Moro não anula os crimes cometidos pelos políticos brasileiros nesses últimos governos, mas pode anular os julgamentos a que foram submetidos. Lula, Cunha, Temer, Cabral, Geddel, muitos podem se beneficiar com essa falha.
No afã de tornar a Lava-Jato mais eficiente, Moro foi descuidado em seu comportamento e pode ter comprometido a operação da qual foi o símbolo, a mais importante operação policial e judicial da história do Brasil. É como se andássemos em círculos. Ou, pior, como se andássemos para trás.
Cansaço. O Brasil não fica pronto nunca.