Vi o vídeo do homem que abusa de uma mulher desacordada em uma avenida de Porto Alegre. É chocante por vários motivos, mas há, ali, um ingrediente que me entristece mais do que todos os outros.
Se você não viu o vídeo, e espero que não tenha visto, porque é deprimente e rebaixa a condição humana, se você não viu, conto o que aconteceu: o carro está atravessado na avenida, na madrugada chuvosa. Um homem se aproxima, filmando com o celular e narrando o que vê. Dentro do carro, o motorista dorme profundamente ao volante. No banco do carona está uma mulher nua, também inconsciente. O sujeito que filma a cena mete o braço pela janela do carro e manipula a mulher, e ri-se dela. Embora não apareça, fica claro que ele se masturbou e ejaculou no peito da moça. Um amigo dele vem, abre a porta de trás do carro e diz que vai tirar de lá uma cerveja.
Basicamente, é isso.
Há muitos crimes cometidos neste caso. Estupro, omissão de socorro e roubo, pelo menos. Mas há algo além: é a motivação dos dois homens que registraram a cena e a espalharam por WhatsApp.
Por que eles fizeram aquilo?
Por que a mulher sofreu abuso?
Não havia nada de sensual nela. Estava nua, é certo, mas não era algo bonito de se ver. Talvez em outra circunstância, acordada e composta, ela seja atraente, mas, naquela situação, tratava-se apenas do corpo de um ser humano fora de si. Podia ser um cadáver. E, quando o homem a toca, não o faz como se sentisse desejo. Não é com volúpia. Ele não está sentindo prazer. Parece que quer apenas mostrar, a quem assistirá ao vídeo, que ele fez porque pode fazer. Quer dizer: ele está deixando claro que “se aproveitou” da situação de vulnerabilidade do casal. Ele “levou vantagem”. Ele “ganhou”.
Isso é que é terrível.
Nas estradas brasileiras, às vezes, ocorre algo de mesma natureza: um caminhão bate com outro, ou tomba, e a carga se espalha pelo chão. Então, pessoas que moram na vizinhança atacam o caminhão como se fossem cães. Eles pilham a carga rapidamente e, não raro, tiram até o relógio e a carteira do motorista ferido, agonizante ou morto.
Como o homem que abusou da mulher desmaiada na avenida de Porto Alegre, eles não pensam em ajudar, eles não demonstram nenhuma solidariedade ou empatia: eles só querem “se aproveitar”, “levar vantagem”, “ganhar”.
É a tragédia contemporânea brasileira. Isso não se dá por falta de dinheiro nem por falta de educação. Isso se dá porque é a cultura do Brasil. O outro, para o brasileiro, não é visto como alguém com quem se compartilha a vida em sociedade; o outro é visto como alguém de quem se pode tirar algo. Desenvolveu-se, no Brasil, a ideia de que o sistema é injusto e de que o indivíduo, por esperteza ou por oportunismo, tem o “direito” de corrigir essa injustiça. Isso começa nos pátios das casas de beira de estrada e segue reto para Brasília.
O homem que abusou da mulher que dormia filmou sua ação para mostrar como ele é ladino, como ele é superior em sua malandragem tipicamente brasileira. Tristemente brasileira. Triste, triste Brasil.