Talvez eu devesse ser uruguaio. Talvez o Rio Grande do Sul e o Uruguai devessem ser um só país. Nosso campeonato teria Grêmio, Inter, Nacional e Peñarol. Nossa seleção seria fortíssima, com o Jean Pyerre metendo bola para o Luizito e o Cavani. O Vitor Ramil e o Jorge Drexler seriam nossos Chico & Caetano. A Zero Hora seria impressa em portunhol.
Eu, quando vejo a seleção do Uruguai jogar, não sinto como se estivesse vendo um time estrangeiro. A seleção do Uruguai é meio que minha. Aquela entrega dramática dos jogadores, aquela sofreguidão na disputa da bola, aquele desespero pela vitória, tudo isso mostra que eles estão ali por algo maior do que o dinheiro ou o sucesso.
Eles estão ali pelo Uruguai.
Esse é o verdadeiro espírito de uma seleção nacional, e nós perdemos um pouco disso, nós, brasileiros.
Nossos jogadores foram para a Europa tão cedo, ou estão na Europa há tanto tempo, ou ganham tanto dinheiro, que, para eles, o torcedor brasileiro é quase uma abstração. A realidade é a angústia ou a alegria do torcedor espanhol, do inglês, do ucraniano. São esses que o jogador encontra quando vai à farmácia, não o brasileiro.
Isso também deveria acontecer com os grandes jogadores uruguaios, já que eles também estão na Europa. Mas não. Os uruguaios são irrevogavelmente uruguaios e nada é mais importante para eles do que jogar na sua seleção. Eles mostram uma gana e uma ânsia que comovem quem assiste. Na última Copa do Mundo, um uruguaio chegou a dar um carrinho de cabeça na bola. Imagine.
Já a Seleção Brasileira parece se despegar mais do Brasil a cada ano. E o torcedor, como um amante desprezado, sente o desamor e vai se afastando e vai se tornando frio. Logo, será infiel.
Isso é muito triste, e quem mora fora do Brasil sabe o quanto. Porque a Seleção Brasileira é a nossa referência positiva. É o que fazemos de melhor. É o que o estrangeiro mais admira no Brasil. No instante em que eles sabem que você é brasileiro, já fazem alguma alusão ao futebol, já lembram da Seleção.
Na semana passada, no dia do jogo da Seleção contra a Bolívia, meu filho foi à escola dentro da camisa canarinho. Ele fez questão de ir assim, e foi com o peito estufado. Depois, durante a partida, pulou e gritou de alegria a cada gol, sobretudo no de Éverton, porque se trata de um jogador que está no Brasil, que joga em um time brasileiro e que fez um lance de craque, como têm de fazer os brasileiros.
No dia seguinte, meu filho enfiou de novo a camisa amarela pelo pescoço. A Marcinha disse que ia pô-la para lavar. Ele não deixou. Queria que os amigos vissem-no assim, queria que vissem como ele é brasileiro e como um brasileiro pode ser vencedor.
É por esses meninos que os nossos ricos e famosos jogadores deveriam jogar. Deveriam entender que, por eles, vale a pena se esforçar mais, correr mais, lutar mais. Por eles, vale a pena até dar um carrinho de cabeça na bola. Por eles é que se pode fazer do Brasil, realmente, um país campeão.