Amar é sofrer. Woody Allen tomou emprestada essa frase clássica e com ela construiu um diálogo hilário em A Última Noite de Boris Grushenko. Uma jovem Diane Keaton vai aconselhar sua prima ainda mais jovem a respeito do amor. E começa, professoral:
– Natasha, amar é sofrer. Para evitar o sofrimento, não se pode amar. Mas, aí, a gente sofre por não amar. Portanto, amar é sofrer e não amar é sofrer. Sofrer é sofrer. Ser feliz é amar. Para ser feliz, então, tem de sofrer, mas o sofrimento torna a gente infeliz. Assim, para ser infeliz deve-se amar. Ou amar para sofrer. Ou sofrer de tanta felicidade.
Concordo totalmente.
Bilac amava e, portanto, sofria. Por sofrer, encontrou inspiração para seus versos parnasianos perfeitos e, assim, tornou-se realizado. E feliz.
Foi precisamente o que Woody Allen quis dizer.
Bilac amava Amélia de Oliveira, noivou com ela, iam se casar. Um dia, ela, que vinha de uma família de 16 irmãos, todos poetas, publicou uma poesia de sua lavra em um jornal do Rio. Bilac não gostou. Ver o nome da noiva assim exposto o encheu de ciúme. Escreveu-lhe, então, uma carta de delicada censura, citando, como argumento, uma frase do escritor português Ramalho Ortigão:
“O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida”.
Amélia, que, para o século 19, era a mulher de verdade, submeteu-se ao noivo e desistiu das publicações, embora continuasse poetando.
Bilac deve ter ficado satisfeito. Mal sabia que aquela docilidade da amada se voltaria contra ele próprio.
Deu-se que o pai da moça morreu subitamente e um dos irmãos dela tornou-se o patriarca da família. O problema é que esse irmão não gostava de Bilac, considerava-o um pândego, e mandou que Amélia desmanchasse o noivado. Amélia, para desespero de Bilac, obedeceu. Seu coração ficou em pedaços, e o de Bilac também. Nenhum dos dois jamais se casou. De certa forma, mantiveram-se fiéis para sempre.
Muitos dos poemas de Bilac são dedicados a Amélia, muitos dos poemas de Amélia são dedicados a Bilac. Eles trocavam cartas sempre que podiam e sempre que o irmão vigilante não as confiscava. Depois de 20 anos de amor não consumado, Bilac parece ter ficado realmente irritado. Porque escreveu o seguinte:
“Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!”
Bilac amaldiçoou a mulher amada porque ela se sujeitou à vontade do arrimo de família, mas ele mesmo não incentivou sua independência quando podia.
O sofrimento sublimou a arte de Bilac. E tornou-o imortal. Quando meu amigo Lauro Quadros leu que eu escreveria sobre ele, ligou-me, entusiasmado, para falar de um soneto que sua mãe lhe ensinou quando ele tinha oito anos de idade. Era O Pássaro Cativo, que Lauro declamou do início ao fim, completando:
– Tudo o que fui na minha vida começou com Olavo Bilac.
Já o leitor Luiz Felipe Gomes enviou-me um e-mail suplicando que fizesse referência a A Alvorada do Amor, poesia que, segundo ele, “eleva a Terra e o homem acima de Deus e dos Céus”.
O SOFRIMENTO SUBLIMOU A ARTE DE BILAC. E TORNOU-O IMORTAL.
Isso que faz 101 anos que Bilac morreu. Foi, portanto, em 1918. Amélia viveu 27 anos mais. Durante todo esse tempo, visitou o túmulo do amado a cada semana, sem falta, deixando-lhe sempre flores, suspiros, orações e, eventualmente, poemas. Sim, ela continuou fazendo versos. Os amigos pediam que publicasse, mas Amélia se recusava. Não queria contrariar o noivo eterno nem depois da morte.
Amélia sofreu sem a compensação da glória. Morreu esquecida e triste, escrevendo como se usasse o sangue do amor irrealizado como tinta. Assim:
“Nesta mágoa sorvida ocultamente
Nesta saudade atroz que me deixaste
Neste pranto, que choro ainda por ti,
Nada te peço. Nada! Tão somente
Peço-te agora a paz que me roubaste
Peço-te agora a vida que perdi.”