Renato mudou.
Renato é outro.
Quer dizer: mais ou menos. Pessoalmente, Renato continua o mesmo pândego que sempre foi. Gosta de chope (sem colarinho!), dos amigos e das mulheres. Gosta do Rio em geral e do futevôlei no Posto 9 de Ipanema, em particular.
A transformação foi profissional. Lembro de uma das vezes que nos encontramos no Rio, em junho de 2013. Marcamos em um bar de Ipanema chamado "Barzin", que fica perto do apartamento dele. Renato chegou com mais dois amigos, os três de bermudas, arrastando os chinelos e a manemolência. Todo mundo o conhecia, nas cercanias: os garçons, os clientes, os passantes. Um ônibus parou bem em frente ao bar e Renato apontou:
— Aquele motorista ali late que nem um cachorro.
Como se tivesse ouvido, o motorista começou:
— Au! Au! Au! — sua voz era de pastor alemão. Dos grandes.
Renato estava feliz com a vida que levava. Havia mais de ano que não treinava clube algum, nem tinha qualquer perspectiva de trabalho. E daí?
— Caixão não tem gaveta! — dizia, explicando que preferia curtir a vida adoidado a trabalhar como um doido.
Seu plano era arrumar empregos intermitentes até os 60 anos e, depois, se dedicar ao doce far niente. Mas houve uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho houve uma pedra. Na verdade, duas: as mulheres da sua vida. A esposa Maristela e a filha Carol se uniram em uma tarefa típica das mulheres preocupadas com a solidez familiar: transformá-lo em um homem sério.
O encontro decisivo se deu em 2016, no apartamento dele, à noite, durante o jantar. Adalberto Preis, então diretor de futebol do Grêmio, o convidara a treinar o time mais uma vez. Maristela e Carol aproveitaram a oportunidade para dizer coisas que havia tempo matutavam: ele tinha de se dedicar mais à profissão de treinador, tinha de abdicar da vida praiana e das noites de chopes e concentrar-se no trabalho. Tinha de provar que podia ser tão grande como treinador quanto fora como jogador.
Renato ponderou e viu que elas estavam certas. E fez uma promessa:
— Vou levar a sério e vou me consagrar!
Promessa cumprida. Ou, pelo menos, parcialmente: Renato, hoje, tem seis faixas de campeão atravessadas no peito e é o principal técnico dos clubes do futebol brasileiro.
Nesta quinta-feira (30), conversei com ele a respeito desse ponto de inflexão de sua vida. Renato estava no aeroporto de São Paulo, esperando o voo para Salvador, onde o Grêmio enfrentará o Bahia. Eu estava em Boston, onde moro. Falamos por telefone até que ele foi chamado para o embarque. A seguir, parte da conversa:
Você acha que mudou, desde aquela vez que nos encontramos no Rio?
Mudei completamente! Prometi pra minha mulher e pra minha filha que levaria o trabalho a sério e estou levando.
Que objetivos você definiu, ao assumir esse compromisso?
Vencer até chegar à Seleção Brasileira.
O que você faz de diferente no seu método de trabalho?
Tenho a minha maneira de fazer as coisas. Felizmente, tenho muita experiência como jogador. Essa é uma grande vantagem. Vejo muitos jogos, como forma de aprendizado. Além disso, sigo o exemplo de grandes treinadores com quem trabalhei.
Quais treinadores?
São vários excelentes: o Telê, o Parreira, o Evaristo… Aprendi muito com eles.
Você teve aquele problema com o Telê, que o cortou da Copa de 1986. Hoje, como treinador, você faria o mesmo que ele fez, se um de seus jogadores fizesse o que você fez?
Não. Não. Eu aprendi muito com o que eles fizeram de correto, mas também aprendi com o que fizeram de errado. Aprendi como não fazer. No caso do Telê, eu tinha sido escolhido como o melhor jogador das Eliminatórias. Devia ter ido à Copa. Ele foi muito radical. Ele errou.
Então, agora, como técnico, você faz diferente.
Faço. Eu sou mais de conversa. Mais do diálogo. Eu sei o que o jogador gosta de ouvir, eu sei o que falar no momento difícil. E, principalmente, eu tento sempre passar confiança a eles.
O fato de você ter sido um grande jogador ajuda nessa tarefa?
Muito! Porque não adianta só dizer o que fazer. Tem que dizer e mostrar como fazer. Eu vou lá, digo e mostro na prática. O grupo olha muito para o comandante.
O que você aprendeu de positivo com o Telê?
A jogar ofensivo. Ele gostava de futebol ofensivo e eu também gosto.
Você tem algum esquema tático preferido?
Na minha outra passagem pelo Grêmio eu joguei com três zagueiros e três volantes, porque precisava. Mas, se tenho peças para jogar ofensivo, jogo ofensivo.
Agora você tem jogadores para jogar ofensivo. Mas e se perder um atacante como Everton, por exemplo?
O Everton é o melhor jogador do Brasil. Mas já perdemos o Arthur e achamos o Matheusinho. Já perdemos o Pedro Rocha, o Ramiro, o Fernandinho e outros. Vamos achar alguém, se o Everton sair.
Você diz que sabe o que o jogador quer ouvir. O que você diz para o Luan?
O Luan precisa se ajudar. Foi isso que disse a ele. Ele achava que não precisava treinar tanto. Falei para ele que não era assim. Que, hoje em dia, não adianta o jogador ser craque, se não estiver em boa forma física, se não treinar muito. Ele entendeu o recado e está se ajudando, está trabalhando. Ele sofreu uma lesão, mas vai voltar bem.
Tempos atrás você disse que queria parar de trabalhar aos 60 anos para aproveitar a vida. Isso mudou?
Mudou, mas só um pouquinho. Porque esse trabalho é muito desgastante. Vou trabalhar um pouco além dos 60, mas vai chegar um tempo em que vou querer parar para aproveitar a vida. Não quero chegar aos 80 e dizerem "o Renato está rico", mas sem ter vivido como quero. De que adiantaria?
Mas você só vai parar depois de chegar à Seleção. Isso?
Isso. E, mais cedo ou mais tarde, eu vou chegar à Seleção.
O caminho mais fácil para alcançar esse objetivo seria o Flamengo?
Já recebi duas ou três propostas do Flamengo, mas o que quero é vencer pelo Grêmio. Vou vencer com o Grêmio e chegar à Seleção.
E depois: chopes!
Sem colarinho!