Neste mundo iconoclasta, de redes sociais furiosas, em que ninguém nem nada está a salvo do vilipêndio, só a salada mantém seu prestígio intacto. Da salada ninguém fala mal, a salada é boa para tudo, é bonito comer salada.
Mas, um dia, alguém talvez descubra que tanto vegetal faz mal.
É uma possibilidade.
Imagine que houve um tempo em que se pensava que o cigarro salvava e o tomate matava. Já contei, inclusive, a história do coronel Johnson, de Nova Jersey, que, no século 19, disse que se suicidaria comendo um tomate. O anúncio de Johnson causou comoção na cidade. Na época, o tomate tinha exclusivamente função decorativa, porque o homem branco o considerava venenoso. Mas Johnson não temia o tomate. No dia aprazado para seu "suicídio", diante de 2 mil pessoas sôfregas, ele tirou um tomate de uma cesta e desferiu-lhe vigorosa dentada, fazendo uma senhora desmaiar de emoção na plateia. O bravo coronel ainda comeu um segundo tomate e sobreviveu a ele. O tomate estava redimido na América do Norte.
Isso foi em 1820. Na Europa, sobretudo na Itália, o tomate já era utilizado em molhos saborosos havia pelo menos cem anos – os italianos são sábios. Mas a verdade é que mesmo os italianos demoraram para descobrir o quanto é valioso esse fruto de ouro, que, não por acaso, eles chamam de "pomodoro".
Já o fumo fez sucesso imediatamente. No século 16, o embaixador da França em Portugal, Jean Nicot, recebeu sementes de tabaco de navegadores que tinham vindo da América e as plantou no quintal de casa. Nicot, que era um homem engenhoso, arrancava as folhas do tabaco, amassava-as e as transformava em bolinhas, que introduzia nas narinas. Dizia que isso era bom até para curar dor de dente. Quando a rainha da França, Catarina de Médici, queixou-se de enxaqueca, Nicot receitou-lhe tabaco. A rainha experimentou, gostou e o tabaco se consagrou. Tanto que Nicot ganhou a imortalidade – de seu nome é que vem a palavra "nicotina".
Enquanto isso, na Inglaterra, o tabaco chegava pelas mãos do famoso Sir Walter Raleigh. Eis um grande personagem. Era alto, bonito e sedutor. Um dia, ele viu que Elizabeth I, a "rainha virgem", hesitava diante de uma poça d’água em uma das ruas de Londres, e não vacilou: sacou das costas a própria capa e estendeu-a na poça para a rainha atravessar. Ela ficou encantada. Foi o começo de uma relação que rendeu honra, fortuna e alguns dissabores a Raleigh, como uma temporada de prisão na Torre de Londres.
Raleigh era um entusiasta do tabaco, que trazia da colônia da Virgínia, nome dado em homenagem, justamente, à rainha virgem (que, aliás, não era virgem coisa nenhuma, só era solteira).
Thomas Harriot, amigo e ajudante de Raleigh, dizia que o tabaco, depois de seco, "purga a fleuma supérflua e outros humores espessos e abre todos os poros e passagens do corpo; por isso, o uso dele não apenas preserva o corpo de obstruções, mas também, em pouco tempo, rompe-as, pelo que os corpos dos índios que o fumam têm a saúde notavelmente conservada e não conhecem muitas das doenças graves que afligem a Inglaterra". Harriot tornou-se fumante ativo e costumeiro cheirador de tabaco. Morreu de um câncer que começou com uma úlcera no nariz.
Porque, ao contrário do que se acreditava, o cigarro mata e o tomate, se não salva, enriquece a culinária e o espírito humano.
O que mais descobriremos, no futuro, que não é tão bom quanto pensamos?
As saladas, essas não duvido de que continuem com a boa imagem que desfrutam. Afinal, só elas resistem à acidez das redes sociais. O que, tenho certeza, comprovaremos que faz realmente mal são as próprias redes. Toda essa maldade pulsante, todo esse fel escorrente, tudo de negativo que as redes suscitam não ficará apenas nas nuvens da internet. Isso se alojará nos fígados, nos rins, nos pâncreas, nos cérebros e nos corações dos militantes virtuais. Corpo e mente funcionam em conjunto, caro leitor. O que afeta um afeta a outra. O mal que sai da boca do homem está dentro dele, de dentro dele veio, dentro dele continua. Corroendo, destruindo, destruindo sempre, que é isso, e só isso, que o mal faz.