Usei este título, "a mulher que trai", para mais de uma crônica que escrevi tempos atrás. Não sei quantas foram. Quatro ou cinco. Numa delas, um pequeno conto, comecei assim:
"Gisa traía os homens. Era um hábito. Mais, até: um prazer. Traiu o primeiro ainda muito jovem, tinha, talvez, 15 anos de idade.
O namoradinho gostava dela, ela gostava do namoradinho, mas um dia lhe surgiu aquele rapagão mais velho, moço de cabelo à escovinha e farda abacate do serviço militar. Gisa namorou com ele também. Namorou com os dois ao mesmo tempo, e viu que era bom. O medo de ser descoberta, a comparação das carícias de um e outro, a ideia de que enganava dois homens, tudo isso lhe dava uma estranha sensação de poder e fazia com que se sentisse muito, muito bem.
Gisa continuou traindo os homens. Aos 25 anos, acumulava já uma década de experiência na atividade.
Divertia-me escrevendo essas histórias. E os leitores, em geral, se divertiam também. Mas esse pequeno conto produziu reações estranhas. No dia da publicação, pelo menos quatro leitoras vieram me perguntar de onde havia tirado a história. Eu, surpreso:
– Ué? Da imaginação.
Uma delas rosnou:
– Imaginação. Sei.
No dia seguinte, ligou-me um sujeito que morava em Pelotas. Inquiriu, em tom ameaçador:
– Quem te contou a minha história? Quem te autorizou a publicar?
Não adiantava dizer que tinha inventado tudo. Ele insistia:
– Quem te contou? Quem?
No dia seguinte, fui almoçar com a minha mãe. Encontrei-a apreensiva.
– Minha vizinha está achando que tu escreveu a história dela no jornal.
– Que vizinha? – espantei-me.
Era uma senhorinha que andava de pantufas pelo prédio. Não sabia nem o nome dela, como saberia de sua vida pregressa.
Mulheres e homens traem e são traídos. Não há nada que gere mais infidelidade do que a monogamia. E, quando a infidelidade é descoberta, é só isso que ocupa a cabeça dos envolvidos
Mas o pior se deu quando cheguei à Redação. O Marcelo Rech, diretor do jornal, me chamou e disse que uma colega havia se queixado de que o conto era inspirado nela. Era funcionária nova, eu não fazia ideia nem de como vibrava o som da sua voz, mas ela jurava que a história era para ela!
Mas o que é que estava acontecendo???
Continuei perplexo por alguns dias, negando sempre que a história fosse real. Mais tarde, concluí que o alvoroço ocorrera por causa do título. A mulher que trai. Mulheres e homens traem e são traídos. Não há nada que gere mais infidelidade do que a monogamia. E, quando a infidelidade é descoberta, é só isso que ocupa a cabeça dos envolvidos. Logo, era compreensível que muitos se identificassem com uma história de traição publicada no jornal.
Recordo-me agora desse caso devido ao grande tema da atualidade: as fake news. Quem as fabrica quer que elas pareçam verdadeiras, mas elas são falsas. Enquanto que eu escrevera algo que era falso, mas as pessoas juravam que era verdadeiro.
– É tudo falso! – eu repetia.
– Sei que é verdadeiro! – respondiam os leitores.
Sabe qual o motivo dessa reação? É que as pessoas não acreditam no que leem, elas leem o que acreditam. A história pode ser inverossímil, mas, se elas querem acreditar, acreditam. Não é à toa que as fake news são mais compartilhadas na internet do que as true news. Números se moldam a teses, interpretações se encaixam com preferências. O desejo é mais forte do que a realidade. Você não acredita no que é sensato, no que é provável e nem mesmo no que é bom. Você acredita no que quer acreditar. Jesus estava certo: a fé move montanhas. A fé é mais poderosa do que a razão.