Está acontecendo algo estranho comigo: não gosto mais de pizza. Como pode uma coisa dessas? Todo mundo gosta de pizza, de batata frita e de Beatles. É uma característica da humanidade esse conjunto de preferências. Não quero ser visto como uma aberração.
Mas a verdade é que, por algum motivo, a pizza foi, aos poucos, deixando de me interessar. Como se deu esse fenômeno? Nos tempos da Famecos, comia pizza toda sexta-feira. Saía da faculdade e ia direto para o Edelweiss, o bar do Tio Beto, ali na Benjamin, ao lado do Teatro Presidente. Quando eu chegava, ele vinha do balcão com uma cerveja branquinha, de tão gelada, fazia-a aterrissar na mesa e proclamava:
– Essa é a melhor maneira de dizer “boa noite”. Uma lágrima de emoção rolava-me rosto abaixo.
Depois dessa primeira cerveja, sempre pedíamos uma pizza que o próprio Beto preparava, de massa espessa, dois dedos de altura, cortada em pequenos cubos, cada um do tamanho de meia caixa de fósforos Paraná. A fôrma, untada de manteiga, vinha direto do forno para a mesa. Uma delícia.
Em Chicago provei uma pizza de massa ainda mais generosa do que essa. É a deep dish pizza, ou pizza de prato fundo, tradicional da cidade. O lugar que serve a deep dish é a Uno, que tem filial aqui em Boston. Come-se com garfo e faca, uma excentricidade para os americanos, que só lidam com a pizza com as mãos nuas, feito lutadores de MMA.
Aí está! Eureka! Ao escrever essa última frase, descobri a razão de minha desilusão. Foi o estilo americano de comer pizza que me desencantou. Eles encaram a pizza como se fosse um pão vulgar: agarram-na com os dedos, arrancam-na da caixa e é assim que a levam à boca. Em três dentadas, está feito o serviço. Lá se foi mais uma fatia dos 24 bilhões delas que os americanos devoram por ano. Como eles contaram o número de fatias de pizza que comem a cada ano, isso é que não sei, mas contaram.
O fato é que os americanos adoram essa informalidade. Em vez de toalha, botam aqueles tristes conjuntinhos na mesa. Em vez de sentar para almoçar, engolem um sanduíche em frente ao computador. Em vez de xícara, usam copos de papel para tomar café.
Sabe o que esse comportamento acarreta? Rouba o sabor da comida. Porque é preciso alguma cerimônia na hora das refeições. Trata-se de um momento importante do dia. Não é por acaso que Jesus insistia em partilhar refeições com seus discípulos e apoiadores. Quando você come junto com outras pessoas, quando vocês partilham o mesmo alimento, instintivamente compreendem que, naquele momento, há algo em comum entre vocês. Vocês entram em comunhão.
Famílias que compartilham refeições são mais unidas. Amigos que compartilham refeições reforçam sua amizade. Mas, para tanto, é necessário um pouco de calma. É preciso sentar, degustar, conversar com paciência, saborear a comida e a convivência. Há que se guardar certa liturgia. É para isso que elas servem, as liturgias: para significar algo maior do que o ato em si. Comer não é só se alimentar. Comer é também comungar.
Os americanos deveriam entender o valor da liturgia à mesa. Nossos governantes deveriam entender o valor da liturgia do cargo. Vulgaridade não é o mesmo que simplicidade. Vulgaridade pode passar a impressão de pouco-caso. E fazer com que até a pizza perca o gosto.