Primeiro, achei toda aquela polêmica cromática um exagero. Tanta coisa grave acontecendo e o Brasil debatendo a cor da roupa das crianças. É muita suscetibilidade. Depois, fiquei pensando no que as pessoas diziam: “Cor não tem gênero”. Tem, sim! Só que o azul E o rosa são masculinos. Femininos são o vermelho e, definitivamente, o roxo. O roxo é bem feminino.
O dia e o sol são homens, a noite e a lua são mulheres, mas a madrugada é trans.
Mais: Paris, por exemplo, é feminina; Londres é masculina. Porto Alegre é uma mulher com TPM e Florianópolis é uma garota de 19 anos de idade que acabou de dispensar o namorado. Curitiba é uma tia que gosta de jogar pontinho. O Rio é daquelas mulheres maduras e ainda belíssimas, com um passado coruscante de glórias. Quando ela entrava nos lugares, a temperatura aumentava em dois graus Celsius e tudo cessava, inclusive as respirações. Podia-se ouvir o som do champanhe borbulhando nas taças de cristal. Esse tempo já foi, mas ela mantém a majestade e ainda captura olhares. Já São Paulo é um cara que dirige uma camionete preta, está sempre sem camisa e tem um maço de dólares no bolso.
Todas as saladas são femininas e o churrasco é masculino. Você dirá que é fácil deduzir isso, por causa do artigo definido, aí respondo que “o” suflê e “o” sushi são femininos, enquanto “a” pizza é masculina. Nas artes, é o mesmo: o teatro é feminino, e a literatura, masculina.
O dia e o sol são homens, a noite e a lua são mulheres, mas a madrugada é trans. O Flamengo e o Botafogo são mulheres, o Vasco e o Fluminense são homens. O Cruzeiro é menino e o Atlético Mineiro é menina. Grêmio e Inter são guris, irmãos e estão sempre brigando. Corinthians e Palmeiras são homens. O Santos é mulher. O São Paulo é da madrugada.
Lembro de um fim de semana dos anos 80 em que estava em Tramandaí com meus amigos. Fomos a um bar com música ao vivo e a banda tocava aquela do Pepeu Gomes:
“Se Deus é menina e menino
Sou masculino e feminino”.
O cara cantava isso bem na hora em que fui ao banheiro. Enquanto me dirigia ao mictório, vi que um tipo gaudério, de bastos bigodes e larga bombacha, lavava as mãos, ao mesmo tempo em que mantinha o queixo levantado e o cenho franzido. Prestava atenção à música. O vocalista cantava com entusiasmo:
“Ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino”.
Ao que o gauchão, sem tirar os olhos do teto, falando mais para si mesmo do que para mim, que era a única outra pessoa no banheiro, exclamou, com voz de trovão:
– Pois a mim me fere!
E se foi, brabo, porta afora.
Não digo que é muita suscetibilidade?