Estou assistindo A Segunda Guerra em Cores, na Netflix. Indicação do Potter, esse especialista em séries. É de fato um rico documentário. Há cenas impactantes da época, com cores restauradas pelo milagre explicável da ciência.
Meu filho estava assistindo comigo e concluiu:
— Eu penso naquele tempo em preto e branco, mas as coisas tinham as mesmas cores de hoje, papai, o céu era azul, as folhas das árvores eram verdes…
É que o passado vai desbotando.
Talvez a Segunda Guerra seja o período mais fascinante da história da humanidade, e isso se dá precisamente porque há fartura de imagens a respeito. Os alemães, sobretudo eles, tiveram o cuidado de registrar muito do que ocorreu em filmes e fotos, tanto que Hitler tinha até sua cineasta preferida, a bela Leni Riefenstahl.
O Triunfo da Vontade é o principal filme de Leni. É a história de um congresso do Partido Nazista de 1934. Uma preciosidade, você pode ver no YouTube. Uma vez, alguém perguntou a Leni se ela queria pedir perdão por ter feito O Triunfo da Vontade. Ela respondeu que não pediria perdão coisa nenhuma e que o filme era uma obra-prima. Admirei Leni por isso. Uma mulher que não se submetia a patrulhas.
Ela viveu, feliz, mais de cem anos.
Há milhares de livros sobre a Segunda Guerra. Centenas deles são bons. Dezenas, ótimos. Um dos 10 melhores é Ascensão e Queda do Terceiro Reich, do jornalista americano William Shirer. A grande vantagem de Shirer é que ele estava lá: foi correspondente em Berlim desde as Olimpíadas de 1936 até 1940. Shirer cobriu encontros dos nazistas, viu Hitler pessoalmente, ouviu seus discursos originais e entrevistou um irmão dele.
Naqueles anos, lançou Diário de Berlim, no qual já alertava sobre o antissemitismo do regime nazista. Foi depois da guerra, de posse de milhares de documentos, inclusive os arquivos do julgamento de Nuremberg, que ele escreveu Ascensão e Queda. Tanto Shirer quanto seus editores achavam que o livro só chamaria a atenção dos aficionados pela história da guerra. Erraram. A obra de Shirer tornou-se um best-seller. Hoje, um clássico. Li em quatro alentados volumes, mas existe em dois, muito bem apresentados.
Uma das razões mais fortes para o sucesso de tudo que envolve a Segunda Guerra é o carisma do vilão. Nenhum ficcionista construiria um personagem que encarna o mal com tanta naturalidade quanto Hitler. Aquele bigodinho, os discursos histriônicos, os trejeitos afetados, tudo em Hitler é perfeito para ser odiado, principalmente se combinado com sua arrogância – o homem se achava o líder infalível de uma raça superior.
Por tudo isso, Hitler e o nazismo se transformaram na expressão do mal.
Como o nazismo é o retrato do mal, a esquerda quer que ele seja de direita e a direita quer que ele seja de esquerda
Por tudo isso, se você quer dizer que alguma coisa é ruim, compare-a com o nazismo. Pode ser qualquer coisa, em qualquer assunto, de política e religião a numismática e escotismo.
Por tudo isso, exatamente por tudo isso, Hitler e o nazismo não podem ser usados como parâmetro de nada.
Pois agora, nas redes sociais, explodiu uma discussão bizantina: seria o nazismo uma ideologia de esquerda ou de direita? Fiquei sabendo, inclusive, que internautas brasileiros protestaram porque a embaixada alemã publicou um texto que define o nazismo como de extrema-direita.
Entendo o debate: como o nazismo é o retrato do mal, a esquerda quer que ele seja de direita e a direita quer que ele seja de esquerda. Todo mundo quer o nazismo com inimigo, mais ou menos como o apoio do Temer.
Não há razão para dúvida: o nazismo era de direita. O que não faz a menor diferença, já que, na verdade, era um produto específico de seu tempo, um tempo de regimes populistas e ditatoriais. Hitler, Mussolini, Franco e Salazar eram claramente de direita. Stálin e, depois, Mao, de esquerda. Mas e Getúlio e Perón? Na época, mezzo direita, a ponto de simpatizarem com o nazismo e o fascismo. Hoje, mezzo esquerda, a ponto de os socialistas latinos se declararem herdeiros deles.
Um país não tem de ser, a priori, de direita ou de esquerda. O país tem de adaptar o regime às suas circunstâncias, não o contrário. Às vezes, mais liberdade para o mercado; às vezes, mais poder para o Estado. E nunca, nunca, nunca a ditadura.