Até o começo dos anos 1990, quem iniciava no jornalismo ia para a editoria de Esportes ou para a de Polícia. Eram as chamadas "editorias populares", as melhores escolas de reportagem que havia. O noviço aprendia a ser ágil, a escrever uma matéria em 10 minutos, a lidar com casos escabrosos, a não se chocar com o que existia de mais duro, mais cruel e mais rasteiro na sociedade.
Essas duas editorias eram discriminadas pelos outros jornalistas. Os colegas da Geral se achavam superiores moralmente, eles faziam mais do que jornalismo: faziam justiça social. Os do Segundo Caderno se ocupavam do que havia de mais elevado: a arte. Quem não gosta de cinema, de livros, de música, de teatro? Era no que eles metiam aqueles narizes empinados. Os de Economia se diziam os mais importantes: em cada vírgula de um pequeno texto deles, estavam dependurados US$ 1 milhão. E os de Política, ah, esses eram os fidalgos e aristocratas da profissão. Os homens que decidiam o destino do país os bajulavam, eles sabiam por que as coisas aconteciam como aconteciam, inclusive nas áreas de cobertura das outras editorias.
Eu comecei, exatamente, na Polícia e no Esporte, e foi muito bom. Mas também passei por todas as outras editorias, com exceção da de Economia. E, dos anos 1980 para cá, constatei, assombrado, como personagens de uma área passaram a se comportar como os de outra: a política virou futebol, porque militantes viraram torcedores.
Esse fenômeno ocorreu, obviamente, por causa do PT. O PT é um caso único na história do Brasil, talvez na história do mundo. É algo que merece um estudo sério e uma investigação desapaixonada. Como o PT conseguiu transformar seu militante em torcedor, isso é o que tem de ser descoberto.
Porque as reações, a linguagem e o comportamento dos petistas são idênticos aos de gremistas e colorados. A mesma postura de desafio, a mesma arrogância, a mesma paranoia, os mesmos inimigos.
Sempre houve paixões na política brasileira, mas nunca um movimento coletivo como o que o PT construiu, infiltrando-se em vários estamentos da sociedade: em escolas e universidades, no Judiciário, nas redações, nas classes artísticas.
É esse petista-torcedor, que, como todo torcedor, é feroz, apaixonado, angustiado e impermeável à crítica ou à realidade, é ele quem está no centro desta eleição presidencial.
Porque, seja quem for eleito, o será por causa deste personagem. Baseie-se nas pesquisas: Bolsonaro está no segundo turno, isso se não vencer logo no primeiro. Por que tamanho sucesso popular? Não tem lógica: Bolsonaro é apenas um deputado federal, nunca foi prefeito ou governador, nunca concorreu a presidente e tampouco é um campeão do liberalismo ou de qualquer outro dogma ideológico. O que se sabe dele? Que é antipetista e que é politicamente incorreto.
Então, cabe a questão: por que as pessoas votarão nele? Resposta: para votar contra o PT. E, assim, elas arrancam votos de outros candidatos de oposição ao PT, como Alckmin, que vem caindo a cada pesquisa. O que, suprema ironia, dá mais chances ao PT de ir para o segundo turno. Pois o PT, precisamente por contar com seus militantes-torcedores, tem um percentual mínimo garantido, de uns 15% ou 20%, o suficiente para ficar em segundo lugar, já que sobram poucos votos para os outros.
E como o PT encararia um segundo turno contra Bolsonaro? Destacando seus próprios méritos? Não: ressaltando os deméritos de Bolsonaro. "Ele, não!", grita a campanha contra Bolsonaro. Quer dizer: qualquer um, menos Bolsonaro.
É algo insólito, quase bizarro: o novo presidente do Brasil, seja quem for, será eleito devido à repulsa que a maioria da população sente pelo seu adversário. O eleito não conta, conta quem NÃO será eleito. A eleição de 2018, no Brasil, será a eleição do ódio.