Meu menino fez 11 anos de idade. Ainda é criança, quase não mais.
- Como é ter 11 anos, papai? - perguntou-me ele.
Respondi:
- É muito bom, mas ter 12 é melhor.
Porque, aos 12, o menino torna-se quem será. As mulheres continuam evoluindo, os homens param ali. Olhe para um senhor sexagenário. Ele muito viu e viveu. Mas, na essência, é exatamente igual ao que era aos 12 – a não ser que seja um chato.
Já as mulheres vão amadurecendo e se transformando sem parar. As mulheres têm, dentro delas, o ciclo da vida – elas menstruam todos os meses e, assim, compreendem instintivamente que tudo começa, chega ao auge, fenece e acaba. Isso não faz delas melhores nem piores do que os homens; as faz diferentes. E é linda essa diferença. É lindo ver como as coisas do mundo entram da mesma forma por olhos e ouvidos de homens e mulheres e, lá, dentro da alma de cada um, viram compreensões distintas, às vezes opostas.
Mas já escrevi bastante a respeito, não vou aborrecer o leitor com repetições. Quero retornar à fronteira entre os 11 e os 12 anos e à pergunta do meu filho: como é ter 11?
Pois vou dizer que tenho alguma lembrança de como é ter 11 anos. Lembro-me sobretudo de um episódio do qual participei.
Nós andávamos em grandes bandos de guris pelo IAPI. Vinte, trinta guris se movimentando ruidosamente pelo bairro, armados de funda. Cortávamos as bocas das garrafinhas de plástico de Clorofina, as amarrávamos à cintura e as enchíamos de bolinhas de cinamomo, que serviam de munição para nossos estilingues. Nos sentíamos muito poderosos. Formávamos grupos, que chamávamos de "exércitos", e combatíamos uns aos outros. Havia os que alvejavam passarinhos, mas nunca gostei disso.
Um dia, um dos guris, apelidado de Fio, porque tinha os dentes tortos para a frente que nem o Fio Maravilha, do Flamengo, um dia o Fio parou a alguns metros de um cavalo que pastava em um terreno baldio e avisou:
- Olha só o que vou fazer.
Aquilo marcou os meus 11 anos, porque compreendi que nós podíamos cometer algo realmente grave e, pior, algo simplesmente mau.
E botou a bolinha de cinamomo na funda. E a engatilhou. E disparou. A funda dele era de garrote, dessas borrachas usadas em hospital. O projétil saiu zunindo, em grande velocidade, e… acertou o olho do cavalo, vazando-o. O bicho começou a relinchar de dor e a se contorcer e não lembro mais o que aconteceu, só lembro que todos nós, uns 12 guris, saímos correndo cada um para um lado, apavorados. Fomos para nossas casas e lá nos homiziamos. O Fio desapareceu por dias, talvez semanas. A história do cavalo de olho furado era contada à socapa nas rodas de guris e espalhou-se pelo bairro.
Aquilo marcou os meus 11 anos, porque compreendi que nós podíamos cometer algo realmente grave e, pior, algo simplesmente mau. Não sei se o Fio mirou no olho do cavalo, não sei qual era a exata intenção dele quando deu aquele fundaço no pobre bicho. Fiquei dias pensando nisso, dias pensando que eu talvez pudesse ter impedido o tiro, ou talvez não, ou talvez sim, não sabia, não sabia… mas sabia que, pela primeira vez, havia visto que o que separa o certo do errado e a normalidade da tragédia pode ser só um gesto, uma intenção, uma distração ou um exibicionismo típico de homens que estarão sempre na margem dos 12 anos de idade.